sábado, 30 de agosto de 2008

OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL

I - A oposição à execução fiscal só pode ter por fundamento facto ou factos susceptíveis de serem integrados em alguma das previsões das várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.II - A petição inicial de oposição à execução fiscal que manifestamente não contenha algum dos aludidos factos deverá ser alvo de indeferimento liminar






1.1. A..., e mulher, vêm interpor recurso do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que rejeitou liminarmente a presente oposição à execução fiscal.1.2. Em alegação, os recorrentes formulam as seguintes conclusões.1. Os recorrentes apresentaram em 27 de Abril de 2007 uma oposição à execução fiscal ... Instaurada pelo Serviço de Finanças do Cartaxo; 2. O Serviço de Finanças do Cartaxo recebeu a referida oposição e remeteu-a para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria; 3. A oposição à execução foi recebida no Tribunal, foi conferida e levada à distribuição. 4. Em 19 de Outubro de 2007, os recorrentes foram notificados do Despacho que determinou a rejeição liminar da oposição por se entender que o pedido é intempestivo e porque o circunstancialismo não se enquadra no artigo 204º do CPPT. 5. O prazo de oposição à execução é de trinta dias a contar da data da citação pessoal, tal como resulta do artigo 203° do CPPT; 6. O prazo apenas começa a correr a partir da data da penhora no caso de não ter havido citação pessoal, situação que não se verifica no caso concreto; 7. Os recorrentes foram citados no dia 20 de Março de 2007, tal como resulta da informação do Serviço Local de Finanças do Cartaxo e dos registos com as referências ...e ... ; 8. Uma vez que a citação ocorreu em 20 de Março de 2007, o último dia para apresentar a oposição era o dia 30 de Abril de 2007; 9. O prazo esteve legalmente suspenso entre o Domingo de Ramos e a segunda-feira de Páscoa, ou seja entre os dias 1 de Abril de 2007 e 9 de Abril do mesmo ano, por força do disposto no artigo 12° da Lei n° 3/99, de 13 de Janeiro. 10. Entre o dia 20 de Março de 2007 e o Domingo de Ramos decorreram 11 dias, tendo decorrido os restantes 19 dias depois da Segunda-feira de Páscoa (9 de Abril de 2007), pelo que o último dia para apresentar a oposição era o dia 28 de Abril de 2007; 11. O dia 28 de Abril de 2007 correspondeu a um Sábado, pelo que o prazo para apresentação da oposição se transferiu para o primeiro dia útil seguinte, que foi o dia 30 de Abril de 2007; 12. Ainda que se começasse a contagem do prazo de oposição a partir da data da notificação da penhora, nada seria alterado, uma vez que a referida notificação foi também efectuada no dia 20 de Março de 2007, como se comprova através da informação do Serviço de Finanças do Cartaxo e do registo ...; 13. A oposição apresentada não coloca em causa as liquidações de imposto efectuadas pela Administração Fiscal; 14. Na verdade, a falta de cumprimento voluntário das obrigações de entrega das declarações de rendimentos legitima a Administração Fiscal a determinar o imposto com base nos elementos que tem ao dispor ou com base na aplicação de métodos indirectos de avaliação; 15. A Administração Fiscal não tinha legitimidade para tomar qualquer iniciativa no sentido da cobrança dos impostos, já que a falta de entrega, pelos recorrentes, das declarações de IRS e de IVA se fundou na cessação de qualquer tipo de actividade em Portugal; 16. A oposição à execução não coloca em causa as liquidações mas a ilegitimidade dos recorrentes pelo facto de não haver, desde o início do ano 2000, qualquer actividade que justifique a apresentação de declarações periódicas e o pagamento de qualquer imposto; 17. A obrigatoriedade de apresentação de declarações, ainda que em branco, apenas existe se existir actividade, o que não é o caso dos recorrentes; 18. A inexistência de actividade justifica a ausência legal de pagamento de impostos; 19. A Administração Fiscal aceitou e validou a declaração de cessação, com efeitos a partir do dia 31 de Dezembro de 1999. 20. Os recorrentes entendem dever ser dado provimento ao presente recurso, revogando este Douto Tribunal a decisão posta em crise, substituindo-a por outra que ordene a aceitação da oposição à execução. 1.3. Não houve contra-alegação.1.4. O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.Âmbito do recurso: despacho de indeferimento liminar da petição inicial de oposição por intempestividade e por não ter sido alegado nenhum dos fundamentos admitidos pelo artº 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário. Alegam os recorrentes que a oposição é tempestiva e «não estando em causa a legalidade das liquidações mas sim a inexistência de uma actividade profissional que seja geradora de quaisquer rendimentos profissionais, pode concluir-se pela ilegitimidade dos recorrentes em relação a quaisquer dívidas, independentemente da forma como são determinadas» Fundamentação: A nosso ver o presente recurso não merece provimento. É certo que assiste razão aos recorrentes quando alegam que a oposição não é intempestiva. Com efeito o prazo de dedução da oposição à execução fiscal tem natureza processual, sendo-lhe aplicável o disposto no artº 144º nº 1 do CPC, suspendendo-se portanto nas férias judiciais, como é o caso da situação em análise nos presentes autos. Daí que se entenda que, tal como é demonstrado pelos recorrentes, a oposição seja tempestiva. Porém, como se vê do despacho recorrido (fls. 47) a intempestividade não foi o único fundamento do despacho de indeferimento liminar. A oposição foi também rejeitada por não terem sido alegados fundamentos admitidos pelo artº 204.º do CPPT e por ser manifesta a sua improcedência. E na verdade basta uma análise rápida da materialidade descrita na petição inicial para se concluir que os fundamentos invocados se reconduzem à ilegalidade concreta e relativa da dívida exequenda. Ora dispõe o artº 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que só pode servir de fundamento de oposição à execução fiscal a ilegalidade abstracta, que não concreta, da dívida exequenda. Como refere Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado, 4ª edição, pág. 872, a ilegalidade abstracta não reside «directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas reside na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. Cabem aqui todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares. A ilegalidade é abstracta porque, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a sua aplicação em concreto». O legislador admitiu porém uma excepção a este princípio, permitindo a discussão da ilegalidade concreta da dívida exequenda nos termos estritos que constituem o fundamento da al. h) do artº 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário Assim, e de acordo com a referida alínea, a ilegalidade concreta da dívida exequenda poderá constituir fundamento de oposição «sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação». Resulta pois expressamente do texto da citada al h) que a discussão da legalidade concreta só é possível nos casos em que o executada não teve ao seu alcance a possibilidade legal de lançar mão do processo de impugnação judicial talhado tipicamente para o efeito. O que bem se compreende já que com tal disposição o legislador veio a consagrar um entendimento, de alguma forma já adoptado pela nossa jurisprudência fiscal nos casos de cobrança de dívidas não fiscais, e que se destinava a garantir efectivamente o principio constitucional do acesso dos cidadãos aos tribunais para defesa dos seus direitos. Não é porém esse o caso subjudice, já que, como resulta dos autos, os recorrentes tinham ao seu dispor a via administrativa através dos meios graciosos e a via judicial através da impugnação judicial, prevista no artº 102º do CPPT. Nestes termos somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente.1.5. Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.Em face do teor do despacho recorrido, das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão que aqui se coloca é, em primeiro lugar, a de saber da tempestividade da petição inicial; e, em caso de resposta afirmativa à anterior, a questão é saber se na petição inicial foi alegada factualidade susceptível de integrar fundamento legal de oposição à execução fiscal. 2.1. Em matéria de facto, o despacho recorrido assentou o seguinte.1. A presente oposição foi deduzida contra os processos de execução fiscal nº ... e apensos, instaurados no SF do Cartaxo, por dívidas de IRS e IVA, conforme informação de fls. 12 a 14 dos autos; 2. De fls. 16v a 28 dos autos constam cópias das certidões de dívida emitida pelo SF do Cartaxo em 08/03/2007, onde se refere que o prazo de pagamento voluntário terminou em 30/11/2003; 13/12/2003; 11/06/2004; 28/06/2004 e 19/05/2004. 3. Os Oponentes tiveram conhecimento da penhora dos bens levada a efeito no processo executivo referido em 1 do probatório, por carta registada e aviso de recepção que assinaram em 20/03/2007 - cfr. fls. 30, 30v e 31, 31v dos autos. 4. E apresentaram a petição que deu origem à presente oposição em inicial em 30/04/2007 - cfr. fls. 2 dos autos.2.2. Sobre o “Prazo de oposição à execução”, preceitua a alínea a) do n.º 1 do artigo 203.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que a oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora. E, sob a epígrafe “Rejeição liminar da oposição”, o artigo 209.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na alínea a) do seu n.º 1, que, recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por a mesma ter sido deduzida fora do prazo.O referido prazo de 30 dias para deduzir oposição à execução fiscal só se conta “da primeira penhora”, no caso de não ter havido “citação pessoal” – já que, se tiver havido “citação pessoal”, é a partir da “citação pessoal” que se conta o prazo de 30 dias para a dedução de oposição à execução fiscal.Ora – sendo a citação o acto pelo qual se dá «conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção», nos termos do n.º 1 do artigo 228.º do Código de Processo Civil –, fácil é concluir que aquela realidade assente no probatório sob 3., de que «Os Oponentes tiveram conhecimento da penhora dos bens levada a efeito no processo executivo referido em 1 do probatório, por carta registada e aviso de recepção que assinaram em 20/03/2007», é verdadeiramente constitutiva do acto da “citação pessoal” dos oponentes, ora recorrentes, para os termos da execução fiscal, a que por meio destes autos deduzem oposição. Sendo certo que, pela referida carta registada recebida em 20/03/2007, os oponentes, ora recorrentes, foram efectivamente citados de que contra eles corre o processo de execução fiscal nº ... e apensos, «na importância total de € 150.075,37, podendo, querendo, no prazo de trinta dias a contar da citação, deduzir, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento» (cf. fls. 30).Como assim, e considerando que, por força do disposto no artigo 12.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, o prazo esteve suspenso entre o Domingo de Ramos e a Segunda-feira de Páscoa (entre o dia 1 de Abril de 2007 e o dia 9 de Abril do mesmo ano), não há dúvida de que o último dia para apresentar a oposição à execução fiscal era o dia 30 de Abril de 2007. Na verdade, entre o dia 20 de Março de 2007 (data da citação pessoal dos oponentes, ora recorrentes) e o Domingo de Ramos decorreram 11 dias; os restantes 19 dias, para completar os 30 dias, decorreram depois da Segunda-feira de Páscoa até ao dia 28 de Abril de 2007, que foi Sábado – pelo que, nos termos legais, se transferiu o prazo para o primeiro dia útil seguinte, o dia 30 de Abril de 2007, precisamente o dia em que deu entrada a presente oposição à execução fiscal.E assim se vê que o despacho recorrido não está com a razão quando decide que «o pedido é intempestivo».Apresenta-se, no entanto, acertado o despacho recorrido a rejeitar a oposição, «manifestamente condenada à improcedência», por não se enquadrar «em nenhuma das alíneas do art.º 204.º do CPPT».Para tanto expende o despacho recorrido como segue.A oposição à execução fiscal funciona na dependência do processo executivo (embora com tramitação autónoma), como contestação à pretensão do exequente (cf. Jorge Lopes de Sousa in CPPT Anotado 4ª. Edição 2003 pág. 865.), respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adoptam as providências executivas tendo por efeito paralisar a eficácia do acto tributário corporizado no processo executivo.E visa a extinção da respectiva execução com base em fundamentos supervenientes ou de ordem formal – cf. Alberto Xavier, in Conceito e Natureza Tributário, Almedina, 1972 pág. 586 e seguintes – vd. art.º 204.º do CPPT.O próprio processo de execução fiscal é já um processo de natureza judicial (art.º 103.º n.º 1 da LGT) apesar de correr os seus termos perante as autoridades administrativas. O oponente no seu articulado invoca a ilegitimidade mas põe em causa a legalidade das liquidações por não ter exercido actividade no período a que as mesmas respeitam. Ora a ilegalidade da liquidação da divida exequenda só é susceptível de constituir fundamento de oposição se a lei não assegurar meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (al. h) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT).Trata-se, como refere Jorge Lopes de Sousa in CPPT Anotado 4ª Edição 2003 pág. 907, “…de situações em que seja a própria lei que não prevê meio de impugnação contenciosa...” No caso em apreço o oponente, tinham a via administrativa através dos meios graciosos e/ou a via judicial através da impugnação judicial a que refere o art.º 102.º do CPPT. [fim de citação]Como é sabido, a oposição à execução fiscal só é permitida nas hipóteses e com os estritos fundamentos previstos no artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – cf., correspondentemente, o artigo 286.º do Código de Processo Tributário, e ainda o artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos. Com efeito, em oposição à execução fiscal, em princípio, não é consentido apreciar a legalidade da liquidação da quantia exequenda – cf. o disposto no artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [e, correspondentemente, os artigos 236.º e 286.º, n.º 1, alínea h), do Código de Processo Tributário, e as alíneas a) e g) do artigo 176.º, e artigo 145.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos]. Na realidade, o processo de oposição tem por escopo essencial o ataque (global ou parcial) à execução fiscal, visando a extinção da execução, ou absolvição do executado da instância executiva, pela demonstração do infundado da pretensão do exequente em face dos fundamentos do artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos – cf. Laurentino Araújo, Processo de Execução Fiscal, 1968, p. 257 e ss.. Cf., correspondentemente, o artigo 286.º do Código de Processo Tributário, e, actualmente, o artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.A ilegalidade concreta da liquidação da dívida exequenda não pode, pois, em regra, servir de fundamento de oposição à execução fiscal.A oposição à execução fiscal, no entanto, poderá ter por fundamento a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação – cf. o disposto na alínea h) do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [o mesmo se podendo entender que valia já no domínio do anterior regime; cf. a alínea g) do n.º 1 do artigo 286.º do Código de Processo Tributário; e nota 16. ao artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos Comentado e Anotado, 2.ª edição, de Alfredo de Sousa, e Silva Paixão].O despacho recorrido conclui, mormente, que «No caso em apreço os oponentes, tinham a via administrativa através dos meios graciosos e/ou a via judicial através da impugnação judicial a que refere o art.º 102.º do CPPT», pois que «O oponente no seu articulado invoca a ilegitimidade mas põe em causa a legalidade das liquidações por não ter exercido actividade no período a que as mesmas respeitam». Na verdade, o oponente e a mulher, ora recorrentes, alegam na petição inicial, como fundamento dos presentes autos de oposição à execução fiscal que «(…) ao invés do que sustenta a Administração Fiscal, a falta de liquidação de IVA e a não entrega da declaração de rendimentos para efeitos de IRS tiveram efectivamente a sua origem na manifesta inexistência de qualquer actividade profissional em Portugal» – cf. artigo 7.º da petição inicial.Assim, os ora recorrentes o que pretendem nos presentes autos de oposição à execução fiscal é discutir a (i)legalidade concreta da liquidação da dívida exequenda.Pelo que o presente caso é realmente de indeferimento liminar manifesto, por não conter a petição inicial nenhum motivo (ou causa de pedir) integrante de fundamento legal de oposição à execução fiscal – como, neste ponto, bem decidiu o despacho recorrido, o qual, por tal sinal, deve ser mantido, com a presente fundamentação.E, então, a terminar, havemos de convir que a oposição à execução fiscal só pode ter por fundamento facto ou factos susceptíveis de serem integrados em alguma das previsões das várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.A petição inicial de oposição à execução fiscal que manifestamente não contenha algum dos aludidos factos deverá ser alvo de indeferimento liminar. 3. Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, na parte em que julgou extemporânea a oposição, que é tempestiva, e mantendo-se aquele despacho no demais.Custas pelos recorrentes, solidariamente, na proporção do vencido, fixando-se a procuradoria em um sexto.

EXECUÇÃO FISCAL

1 – O n.º 4 do art. 886.º-A do CPC, em que se prevê a notificação da decisão sobre a venda previstas nos seus n.ºs 1 e 2 aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal.2 – A omissão de notificação daquele despacho a credor reclamante de crédito com garantia real sobre o bem a vender, através de negociação particular, constitui nulidade processual que justifica a anulação da venda, nos termos dos arts. 201.º, n.º 1, e 909.º, n.º 1, alínea c), do CPC, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 257.º do CPPT.




Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:1 – CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL requereu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel a anulação da venda de um imóvel, efectuada no processo de execução fiscal n.º ….Aquele Tribunal veio a julgar improcedente a pretensão do Requerente da anulação a venda.Inconformada, a Requerente interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando as seguintes conclusões:A.- O artigo 886-A, nº 4 do Cód. Proc. Civil, que determina a notificação do despacho que ordena a venda de um bem penhorado, ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, é de aplicação subsidiária à execução fiscal.B.- De igual modo, o despacho a ordenar a venda por meio de negociação particular e o preço mínimo por que ia ser realizada, deviam ser notificados à credora com garantia real, nos termos do disposto no artº 904º, al. a)e 905º, 2 do Cód. Proc. Civil, também de aplicação subsidiária à execução fiscal, conforme expressamente foi decidido pela mesma magistrada, na primeira sentença que proferiu nestes autos.C.- Estas omissões e faltas de notificações constituem nulidades, nos termos aplicáveis do disposto no artº 201º do Cód. Proc. Civil, que têm manifesta e necessariamente relevância e influência na decisão do processo, que é a própria execução fiscal.D.- Ficou vedada qualquer possibilidade para a credora hipotecária impugnar ou reclamar da modalidade da venda e do valor do bem a vender, ou mesmo acompanhar a praça, evitar que ocorresse a degradação do preço da venda ou providenciar na defesa dos seus interesses.E.- A prévia informação de que o bem penhorado iria ser posto à venda e a prática das formalidades exigidas poderia ter como consequências que a venda não fosse praticada, que o bem não fosse vendido à pessoa a quem foi e, sobretudo, pelo preço por que foi.F.- A sentença recorrida violou, com erro de interpretação e de aplicação, todas as citadas disposições legais.Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis que V. Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao recurso e, por consequência, ordenada a anulação da venda e dos actos subsequentes, assim se cumprindo a lei e fazendo única JUSTIÇA!Não foram apresentadas contra-alegações.O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:O julgado é de confirmar, por nele se ter feito boa aplicação da lei.NA verdade, por um lado, que o art. 886.º-A do CPC se não aplica na execução fiscal é jurisprudência pacífica da Secção (cfr. além dos citados no parecer do Ministério Público a fls. 102, o ac. de 17.12.2003, rec. n.º 1915/03-30); por outro lado, o art. 904.º do CPC não se aplica, igualmente, na execução fiscal porque a matéria que regula (os casos em que se procede a venda por negociação particular) está tratada no art. 252.º do CPPT (cujo n.º 4, de resto, assegura larga publicidade à venda); finalmente, a norma do n.º 2 do art. 905.º do CPC não se mostra desrespeitada no caso dos autos.Termos em que sou de parecer que o recurso não merece provimento. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.2 – Na sentença recorrida deram-se como assentes os seguintes factos:Correu termos no Serviço de Finanças de Paredes, o processo de execução fiscal …, por dívida no montante de 16.417,01 euros, em que são executados A… e B….Em 04.05.205, por escritura do Cartório Notarial de Gondomar foi vendida por negociação particular a fracção autónoma "AG" do art.2076 da matriz predial de Gandra, penhorada no referido processo de execução fiscal.A autora foi citada nesse processo em 28 de Fevereiro de 2003 como credora com garantia real pois tinha a seu favor uma hipoteca voluntária relativamente ao bem penhorado.Foi designado o dia 8 de Janeiro de 2004 para a venda judicial mediante propostas em carta fechada.A venda foi publicitada pela afixação de editais, publicação de anúncios e publicitação na Internet.A venda foi efectuada por negociação particular e a respectiva escritura foi lavrada em 4 de Maio de 2005.3 – As questões que são objecto do presente recurso jurisdicional são as de saber se o art. 886.º-A, n.º 4, e os arts. 904.º, alínea a), e 905.º, n.º 2 do CPC são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução fiscal.O art. 886.º-A do CPC estabelece o seguinte:
ARTIGO 886.º-ADeterminação da modalidade de venda edo valor base dos bens1 – Quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender.2 – A decisão tem como objecto:a) A modalidade da venda, relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados, nos termos da alínea e) do artigo 904.º, da alínea b) do n.º 1 do artigo 906.º e do n.º 3 do artigo 907.º;b) O valor base dos bens a vender;c) A eventual formação de lotes, com vista à venda em conjunto de bens penhorados.3 – Quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda, pode o agente de execução fazer preceder a fixação do valor base dos bens das diligências necessárias à determinação do respectivo valor de mercado.4 – A decisão é notificada ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender.5 – Se o executado, o exequente ou um credor reclamante discordar da decisão, cabe ao juiz decidir; da decisão deste não há recurso.
ARTIGO 904.ºCasos em que se procede à venda por negociação particularA venda é feita por negociação particular: a) Quando o exequente propõe um comprador ou um preço, que é aceite pelo executado e demais credores;b) Quando o executado propõe um comprador ou um preço, que é aceite pelo exequente e demais credores;c) Quando haja urgência na realização da venda, reconhecida pelo juiz;d) Quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo proponente aceite;e) Quando se frustre a venda em depósito público, por falta de proponentes ou não aceitação das propostas, e, atenta a natureza dos bens, tal seja aconselhável.
Artigo 905.ºRealização da venda por negociação particular1 – Ao determinar-se a venda por negociação particular, designa-se a pessoa que fica incumbida, como mandatário, de a efectuar.2 – Da realização da venda pode ser encarregado o solicitador de execução, por acordo de todos os credores e sem oposição do executado, ou, na falta de acordo ou havendo oposição, por determinação do juiz.3 – Não se verificando os pressupostos do número anterior, para a venda de imóveis é preferencialmente designado mediador oficial.4 – O preço é depositado directamente pelo comprador numa instituição de crédito, à ordem do solicitador de execução ou, na sua falta, da secretaria, antes de lavrado o instrumento da venda.5 – Estando pendente recurso da sentença que se executa ou oposição do executado à execução ou à penhora, faz-se disso menção no acto de venda.6 – A venda de imóvel em que tenha sido, ou esteja sendo, feita construção urbana, ou de fracção dele, pode efectuar-se no estado em que se encontre, com dispensa da licença de utilização ou de construção, cuja falta de apresentação o notário fará consignar na escritura, constituindo ónus do adquirente a respectiva legalização.A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo não tem sido uniforme quanto à questão de saber se o despacho que ordena a venda em execução fiscal tem de ser notificado aos credores com garantia real sobre os bens vendidos.Relativamente a essa notificação que, na redacção do CPC de 1961, estava prevista no art. 882.º, n.º 2, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu no acórdão de 16-4-1997, recurso n.º 21479, que «o despacho que ordene a venda ou o que a autorize, mediante negociação particular, por preço inferior ao valor mínimo para ela fixado tem de ser notificado, entre outros, aos credores com garantia real sobre os bens penhorados». (Neste acórdão foi proferido um voto de vencido no sentido de que não se verifica a nulidade referida, por não ser de aplicar o art. 887.º, n.º 2 (redacção antes de 1996) do C P C porque, no processo de execução fiscal, os credores só são citados nos termos do art. 321.º do CPT, pela razão simples de o concurso de credores ser posterior à arrematação, ao contrário do que acontece em processo civil, e ser o chefe de repartição de finanças que determina se é de utilizar a venda por negociação particular. )Este Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 12-2-2003, recurso n.º 1554/02, AP-DR de 25-3-2004, página 269, afirmou explicitamente a aplicabilidade subsidiária do art. 886.º-A, n.º 4, do CPC ao processo de execução fiscal, dizendo que «o despacho que ordena a venda deve ser notificado ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender. Tal significa que esta notificação deve ser efectuada aos interessados. Estes são, evidentemente, o exequente que pretende pagar-se pela venda do bem, o executado que dele fica desapossado e os credores que tenham garantia sobre os bens e que querem pela venda deles ressarcir-se».Na mesma linha, no que concerne à fixação do valor base da venda, este Supremo Tribunal Administrativo entendeu ser aplicável o disposto no art. 886.º-A, nº 4, do CPC ao processo de execução fiscal, no acórdão de 12-9-2007, recurso n.º 699/07.Também no mesmo sentido, no recente acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 30-4-2008, recurso n.º 117/08, decidiu-se que «o n.º 4 do art.º 886.º-A do CPC, em que se prevê a notificação da decisão sobre a venda prevista nos seus n.ºs 1 e 2 aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal».Porém, em sentido contrário, quanto à comunicação da modalidade de venda escolhida, este Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que não tem aplicação aquele n.º 4 do art. 886.º-A, como pode ver-se pelos acórdãos de 17-12-2003, recurso n.º 1951/03, 28-3-2007, recurso n.º 26/07, de 3-10-2007, recurso n.º 514/06, e de 28-10-2007, recurso n.º 662/07.4 – A questão da aplicabilidade do disposto no art. 886.º-A, n.º 4, do CPC, não pode ser cindida quanto às decisões a comunicar.Na verdade, neste n.º 4 faz-se referência à notificação da «decisão» e ela abrange, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, quer a escolha da modalidade de venda, quer o valor base dos bens a vender, quer a eventual formação de lotes. Por isso, a haver no processo de execução fiscal lugar a notificação, ela terá de reportar-se à globalidade da «decisão» referida.A esta questão da notificação da decisão deve ser dada resposta positiva.Com efeito, vigora na generalidade dos processos judiciais o princípio da obrigatoriedade de notificação às partes de «todos» os despachos que lhes possam causar prejuízo, o que é corolário da proibição da indefesa que está ínsita no direito à tutela jurisdicional efectiva, reconhecido no art. 20.º da CRP.Essa regra está mesmo expressamente formulada no art. 229.º do CPC em que se estabelece, além do mais, que «devem também ser notificados, sem necessidade de ordem expressa, as sentenças e os despachos que a lei mande notificar e todos os que possam causar prejuízo às partes» e que «cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação».Aliás, é perfeitamente compreensível esta obrigatoriedade, à face do princípio da boa fé e da cooperação que deve ser observado nas relações entre todos os intervenientes processuais (arts. 226.º e 226.º-A do CPC), que impõe, seguramente, que as partes tenham conhecimento de todos os actos que os possam prejudicar, a fim de poderem providenciar para defesa dos seus interesses, em sintonia com a imposição constitucional de notificação dos actos administrativos, que se estabelece no n.º 3 do art. 268.º da CRP que, pelas mesmas razões, será aplicável a actos praticados em processos judiciais, em que vigora o referido princípio geral de proibição da indefesa (art. 20.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, mesmo nos casos em que a escolha da modalidade de venda é vinculada, pode haver uma decisão errada do órgão da execução fiscal na sua determinação (Por exemplo, optar pela venda por negociação particular, com fundamento em urgência, quando ela não exista, ou optar pela venda por propostas em carta fechada em situação em que, por haver urgência, deveria ser ordenada a venda por negociação particular. ), pelo que aos interessados que podem ser afectados pela decisão tem de ser reconhecida a possibilidade de controlarem o decidido e impugnarem a decisão, se dela discordarem.Assim, em face dessa potencial lesividade da decisão prevista sobre a modalidade de venda, valor base dos bens a vender e eventual formação de lotes, não poderá deixar de admitir-se a possibilidade de ela ser impugnada através de reclamação, nos termos dos arts. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea j), da LGT e 276.º do CPPT, em consonância com a imposição constitucional da impugnabilidade de todos os actos lesivos, que resulta do n.º 4 do art. 268.º da CRP.Aquela norma do art. 229.º do CPC, sobre as notificações a efectuar oficiosamente pela secretaria, é de aplicação subsidiária no contencioso tributário, pois não há qualquer regra especial sobre esta matéria.Por outro lado, as especialidades que caracterizam o processo de execução fiscal em relação ao processo de execução comum são justificadas pela maior celeridade que se quer imprimir àquele e a efectivação das notificações previstas no art. 886.º-A, n.º 4, do CPC não implica qualquer atraso na tramitação do processo. Na verdade, as notificações às partes são efectuadas por correio, pelo que se trata de um acto instantâneo que não impõe qualquer paragem do processo de execução fiscal, pelo que não vale como fundamento do seu afastamento a preocupação legislativa em incutir celeridade ao processo de execução fiscal.Conclui-se, assim, que a norma do art. 886.º-A, n.º 4, do CPC é de aplicação subsidiária no processo de execução fiscal, sendo essa a obrigatoriedade necessária para assegurar a compatibilidade constitucional do processo de execução fiscal. ( Também neste sentido, a propósito do art. 882.º, n.º 2, do CPC na redacção de 1961, correspondente ao actual n.º 4 do art. 886.º-A, pode ver-se LAURENTINO ARAÚJO, Processo de Execução Fiscal¸1988, página 150.A DGCI também entendeu ser aplicável ao processo de execução fiscal o disposto naquele art. 882.º, n.º 2, dando instruções aos seus serviços para o respectivo cumprimento, através do ofício circulado n.º 716, de 9-5-1991 (ponto 10.2.1.2.), emitido a propósito do CPT, que, nesta matéria, é idêntico ao CPPT. )5 – Porém, naquele n.º 4 do art. 886.º-A do CPC faz-se referência a à comunicação da «decisão», que é a referida no n.º 2 do mesmo artigo, e neste não se faz referência à data da venda, designadamente, no que directamente interessa no caso dos autos, à data da abertura das propostas em carta fechada, sendo precisamente do desconhecimento desta data que o Requerente, credor com garantia real sobre o bem a vender, se queixa.No entanto, apesar de não se referir explicitamente neste n.º 2 do art. 886.º-A que a decisão abrange a indicação da data da venda por propostas em carta fechada, deve entender-se que ela também é abrangida.Com efeito, a norma que actualmente consta do n.º 4 do art. 886.º-A foi introduzida no CPC na reforma de 1961, em que foi incluída no n.º 2 do art. 882.º, em que se refere que «o despacho que ordene a venda é notificado ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender».Com a introdução desta norma visou-se estender à generalidade dos interessados o regime que, relativamente aos créditos da Caixa Geral de Depósitos, constava do art. 4.º e § 1.º do Decreto n.º 33276, de 24-11-1943 (Como informa LOPES CARDOSO, Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, página 560.), que estabeleciam o seguinte:Nos processos em que a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência ou algumas das suas instituições anexas sejam exequentes ou reclamantes, o agente do Ministério Público logo que designado o dia para a arrematação ou decidida a venda por meio de propostas em carta fechada ou por via de negociação particular, comunicará o facto à Administração da Caixa, remetendo-lhe uma relação dos bens a pracear ou a vender, donde conste, quanto a cada um dos bens, o encargo que o agrava, o valor por que será posto em praça ou o preço mínimo que houver sido fixado para a negociação particular. Tratando-se de prédios, apontar-se-á ainda na relação o número da descrição na Conservatória e o artigo da inscrição na matriz, se o processo para tanto fornecer elementos.§ 1.º Serão notificados ao agente do Ministério Público, no prazo máximo de vinte e quatro horas, os despachos que, nos processos visados pelo artigo, designem dia para a arrematação ou decidam sobre a venda por meio de proposta em carta fechada ou por via de negociação particular Assim, tem de se concluir que aquece n.º 2 do art. 882.º do CPC, na redacção de 1961, abrangia também a obrigação de notificação da data da venda ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, pois a indicação dessa data estava prevista neste § 1.º.Este entendimento veio a ser adoptado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Assento n.º 8/93, de 29-9-1993 (Publicado no Diário da República, I Série, de 24-1-1993, página 6530 e no Boletim do Ministério da Justiça n.º 429, página 113, ) em que se decidiu que «a notificação a que se refere o nº 2 do art. 882º do CPC deve incluir a indicação do dia, hora e local da venda por arrematação em hasta pública e tem de repetir-se caso haja adiamento ou realização de segunda ou terceira praças».Aliás, sendo esse valor fixado no mesmo despacho que determina a modalidade de venda, não se pode compreender que haja qualquer razão para no processo de execução fiscal a comunicação da decisão sobre a modalidade de venda escolhida, fixação do valor dos bens e eventual formação de lotes não englobar a indicação da data da abertura das propostas em carta fechada.Para além disso, a obrigatoriedade da comunicação da data da abertura das propostas resulta também do n.º 2 do art. 229.º do CPC ao estabelecer que «cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação».Na verdade, tanto no processo de execução comum como no processo de execução fiscal é reconhecido aos credores com garantia real sobre os bens a vender o direito de assistirem à abertura das propostas [arts. 893.º, n.º 1, do CPC e 253.º, alínea a), do CPPT, respectivamente], pelo que há obrigação de a secretaria os notificar, oficiosamente, nos termos daquele n.º 2 do art. 229.º para poderem exercer este seu direito processual.Esta regra é, aliás, um corolário do referido princípio da boa fé e da cooperação que deve ser observado nas relações entre todos os intervenientes processuais na generalidade dos processos (arts. 226.º e 226.º-A do CPC).Para além disso, só com essas notificações «se atingirá o escopo da lei, que é o de evitar uma possível degradação do preço da venda, com o que todos – exequente, executado e credores – ficariam prejudicados.(Como se refere no citado acórdão do STA de 16-4-1997. )Assim, é de concluir que o art. 886.º-A, n.º 4, do CPC é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal, na parte em que impõe a notificação aos credores com garantia real do despacho que determina a modalidade de venda, fixa o valor base dos bens a vender (e eventual formação de lotes) bem como designa dia para a abertura de propostas em carta fechada, no caso de ser esta a modalidade de venda adoptada. (Este Supremo Tribunal Administrativo já no acórdão de 12-2-2003, recurso n.º 1554/02, AP-DR de 25-3-2004, página 269, afirmou explicitamente a aplicabilidade subsidiária do art. 886.º-A n.º 4, do CPC ao processo de execução fiscal, dizendo que «o despacho que ordena a venda deve ser notificado ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender. Tal significa que esta notificação deve ser efectuada aos interessados. Estes são, evidentemente, o exequente que pretende pagar-se pela venda do bem, o executado que dele fica desapossado e os credores que tenham garantia sobre os bens e que querem pela venda deles ressarcir-se».Para além disso, no que concerne à fixação do valor base da venda este Supremo Tribunal Administrativo defendeu a aplicabilidade do art. 886.º-A, nº 4, do CPC ao processo de execução fiscal, no acórdão de 12-9-2007, recurso n.º 699/07, pelo que, sendo esse valor fixado no mesmo despacho que determina a modalidade de venda, não se pode compreender que haja qualquer razão para no processo de execução fiscal a decisão sobre a modalidade de venda escolhida não ser comunicada simultaneamente com a notificação daquela fixação. )7 – As mesmas razões valem, naturalmente, no que concerne à notificação ao credor com garantia real sobre o bem penhorado do despacho que ordenar a venda por negociação particular e o preço mínimo por que ela deve ser realizada, por força do disposto do mesmo art. 886.º-A, n.º 4, e não pela alegada aplicação subsidiária dos arts. 904.º, alínea a), e 905.º, n.º 2, do CPC.Na verdade, aquele art. 886.º-A está inserido entre as «Disposições gerais» relativas à venda, pelo que é de aplicação em todos os casos em que não exista norma especial que disponha de forma diferente.Por outro lado, as situações em que é possível optar no processo de execução fiscal pela venda por negociação particular, estão especialmente previstas no art. 252.º, n.º 2, do CPPT, pelo que não há lugar a aplicação subsidiária do CPC. ( Neste sentido, pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 28-3-2007, recurso n.º 26/07. )No que concerne ao n.º 2 do art. 905.º do CPC, em que se estabelece que «da realização da venda pode ser encarregado o solicitador de execução, por acordo de todos os credores e sem oposição do executado, ou, na falta de acordo ou havendo oposição, por determinação do juiz», trata-se de norma que tem subjacente a prévia existência de um solicitador de execução designado para desempenhar as funções de agente de execução (art. 808.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), o que não sucede no processo de execução fiscal, em que essas funções são desempenhadas pelo órgão da execução fiscal.8 – Pelo exposto, sendo o Recorrente credor com garantia real sobre o bem vendido e não lhe tendo sido efectuadas notificações quer do despacho que ordenou a venda por propostas em carta fechada quer o que determinou a venda por negociação particular, ocorreram nulidades processuais susceptíveis de influenciar a decisão do processo, por o conhecimento de que havia sido ordenada a venda lhe permitir, além do mais, formular proposta de aquisição.Por isso, as omissões da efectivação das notificações do Recorrente, podendo ter influência na decisão do processo, não podem deixar de considerar-se nulidades processuais (art. 201.º, n.º 1, do CPC), que afectam os actos que delas dependem, designadamente os relativos à venda.No caso, porém, o reconhecimento da existência da primeira nulidade, relativa à não notificação do despacho que determinou a venda por propostas em carta fechada, tem como efeito a anulação dos actos subsequentes relativos à venda, em que se inclui o que determinou a venda por negociação particular, pelo que apenas a referida primeira nulidade tem efeitos práticos.9 – A existência de uma nulidade processual susceptível de afectar o acto da venda, constitui uma causa de nulidade desta, nos termos do referido n.º 1 do art. 201.º e da alínea c) do n.º 1 do art. 909.º do CPC, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 257.º do CPPT.Assim, têm de ser anulados todos os actos posteriores ao despacho que ordenou a venda por propostas em carta fechada, relativos ao acto da venda.Termos em que acordam em:– conceder provimento ao recurso jurisdicional:– deferir o requerimento de anulação de venda;– anular todos os actos processuais subsequentes ao despacho que ordenou a venda por propostas em carta fechada, relativos ao acto da venda

Contrato de prestação de serviços

Recaindo sobre o réu, enquanto devedor, no quadro da responsabilidade civil contratual, o ónus da prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, e não sobre o autor, na qualidade de credor, o ónus da prova da culpa daquele, não tendo o réu logrado realizá-la, deve considerar-se, presumivelmente, culpado pela produção do dano, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 344º, nº 1 e 350º, nºs 1 e 2, do Código Civil.

..., com sede em Cortada da Arrocha, Sebal Grande, Condeixa-a-Nova, instaurou
a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B..., casado, técnico oficial de contas, residente na R. Nova nº 1, Covões, S.Fipo, Condeixa-a-Nova, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a pagar-lhe, a título de indemnização, pelos prejuízos decorrentes do não cumprimento do contrato de prestação de serviços a que se obrigara perante a autora, a quantia de 20.586,82€, e juros vencidos e vincendos, até integral pagamento.Invoca, para tanto, que é uma sociedade por quotas, constituída por escritura pública, de 14 de Dezembro de 1992, data a partir da qual o réu se obrigou a prestar-lhe serviços, no âmbito das suas funções profissionais de técnico oficial de contas, sendo certo, porém, que não preparou os documentos, não elaborou as declarações fiscais de IRC, nem outras, nem preparou actas, livros ou outra da contabilidade que fazia parte das suas funções e se comprometera a prestar para a autora, com excepção das declarações de IVA e das referentes à segurança social.Que a autora, tão-só, em Setembro de 2002, veio a ter conhecimento desta situação, através de notificação efectuada pelos serviços fiscais, sobre a liquidação oficiosa de IRC de 1998, por falta da entrega da declaração de rendimentos.Em consequência, o réu causou-lhe diversos prejuízos, porquanto teve de pagar a outro técnico oficial de contas para elaborar e organizar toda a contabilidade, que o réu dificultou, pois se recusou a entregar os documentos e pastas que tinha na sua posse, o que só foi possível, após recurso a uma providência cautelar.Na contestação, o réu alega que a falta de entrega dos documentos e declarações ao Fisco se deveu ao facto de a autora não lhe ter facultado os documentos de suporte contabilísticos, o que lhe não permitiu organizar a contabilidade e apresentar as respectivas declarações, acrescentando que o seu trabalho para a autora sempre consistiu, apenas, no processamento das declarações do IVA, dos salários e no preenchimento das declarações para a segurança social, e que as liquidações oficiosas do imposto relativo aos anos de 1997 e 1998 foram uma opção da autora, não podendo ser atribuídas à conduta do réu.A sentença julgou a acção, procedente por provada e, em consequência, condenou o réu a pagar à autora a quantia de 20.586,82€ e juros legais, desde 10 de Março de 2004 e até integral pagamento.Desta sentença, o réu interpôs recurso de apelação, onde sustenta a sua revogação, com a consequente absolvição do pedido, terminando as alegações com as seguintes conclusões:1ª – Segundo o princípio da livre apreciação da prova o tribunal é livre de formar a sua convicção.2ª - Porém, este principio não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como ao facto das provas não estarem subtraídas a esse juízo.3ª - Em nome daquele princípio, e tendo em conta o depoimento das testemunhas, cujo depoimento foi transcrito no presente recurso (e sobretudo, tendo em conta as declarações do representante legal da autora) deveriam ter sido dados como provados, e não foram, os seguintes factos:a) O réu apenas se obrigou a processar e entregar as declarações de IVA e segurança social,b) ou, no caso de assim não se entender, a autora não conseguiu provar o facto constitutivo do seu direito – o conteúdo do contrato celebrado entre as partes.c) Não existe por parte do réu, ora recorrente, qualquer obrigação de indemnizar a autora, ora recorrida;d) não houve culpa, nem a prática de qualquer acto ilícito por parte do réu.e) a autora tinha conhecimento desde 1996 que o réu não processava nem entregava as declarações de IRC e conformou-se, aceitando a liquidação oficiosa de IRC;f) a autora não entregou todos os documentos necessários e imprescindíveis para que o réu ficasse em condições reais de processar, atempadamente, e entregar as declarações de IRC da autora.g) foi em Setembro de 2002 que a autora foi notificada oficiosamente para liquidar o IRC de 1998.h) A autora foi tributada por presunção e não pela análise da sua verdadeira situação contributiva fiscal, devido a uma conduta, no mínimo, negligente da própria autora/recorrida;i) a tributação feita pela Administração Fiscal com base em presunções, naturalmente retiradas das declarações do IVA e da Segurança Social deve-se única e exclusivamente à autora que não optou por outro regime - caindo assim, e mais uma vez, no regime simplificado.j ) A autora não fez tudo o que estava ao seu alcance para tentar não ser penalizada pela Administração Fiscal mas sem qualquer resultados.4ª - Os factos n°s 1, 5, 9, 16 e 17 da sentença não devem ser dados como provados, por não se ter feito prova suficiente e consistente dos mesmos.5ª - Não existe nexo de causalidade entre a conduta ou entre a omissão por parte do recorrente e as despesas peticionadas pela autora/recorrida (elencadas no ponto 17 da douta sentença);6ª – Existe uma declaração tácita emitida pela autora/recorrida em como o réu/recorrente não tem qualquer obrigação de processar e entregar as declarações de IRC da autora - desde 1996.7ª – O douto Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação do disposto no art. 21°, n°s 1 e 2 do DL 265/95 de 17 de Outubro, não tendo remetido, como podia e devia, para a responsabilidade civil contratual prevista na Lei civil.8ª – De facto, o Tribunal a quo confundiu o âmbito e objecto do contrato, que é fixado livremente pelas partes, como um mero referencial de responsabilização técnica, que serve essencialmente para regulação da profissão e finalidades de exercício do poder disciplinar da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.9ª – O disposto na norma em causa não impede, que as partes ''restrinjam" o contrato que efectivamente celebraram – isto é, não impede que as partes fixem livremente o conteúdo do contrato celebrado ou a celebrar.10ª – Pois trata-se de um mero normativo de conduta e não uma norma imperativa!11ª – O recurso a tal normativo legal não justifica, não fundamenta, nem demonstra qualquer violação por parte do ora recorrente de qualquer dever que assumiu com a celebração do contrato,12ª – Muito menos justifica, fundamenta ou demonstra qualquer incumprimento contratual por parte do ora recorrente.Nas suas contra-alegações, a autora entende que deve ser mantida a sentença recorrida, julgando-se improcedente o recurso.*Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.As questões a decidir na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes:I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.II – A questão da obrigação de indemnização.I. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTOO réu sustenta que devem conhecer resposta negativa os pontos nºs 1, 5, 9, 16 e 17 da base instrutória, relativamente aos quais o Tribunal «a quo» proferiu resposta positiva.Resulta da audição da prova objecto de gravação, no que contende com os pontos da matéria de facto em que o réu suscitou a respectiva alteração, e bem assim como com os demais que com aqueles se encontram, intimamente, conexionados, que o legal representante da autora, Jorge Carapinheira, declarou que “entregava todos os documentos ao réu, a pedido deste, e os extractos bancários não os entregava porque o réu deixou de os pedir, mas que nunca lhe recusou qualquer documento que o réu pedisse, e que o Girão [o novo técnico de contas que lhe sucedeu] pediu ao réu todos os documentos que este guardava com os quais já fez o IRC de 2002”.Por sua vez a testemunha José Girão, actual técnico de contas da autora, disse que “o réu enviava o IVA mas não a declaração de rendimentos, para efeitos de IRC, não indicando as despesas que poderiam ser abatidas, nunca tendo apresentado qualquer declaração de rendimentos, em sede de IRC”. Acrescentou que “para recompor a contabilidade atrasada pediu ao réu a entrega dos documentos, com muitas dificuldades, pois que dizia que os tinha, prometia entregá-los, mas falhava”. Referiu ainda que “já fez a declaração de IRC, com respeito ao ano de 1999, mas em regime simplificado, regime inexistente em 1992, sendo, então, possível proceder à liquidação oficiosa do IRS, embora penalizando o contribuinte, por se basear em presunção”. Esclareceu que “se a autora tivesse feito a opção pelo regime simplificado ou pelo regime organizado seria beneficiada, mas que essa opção teria de ser feita, até 31 de Março do ano seguinte, enquanto que o regime simplificado não permite a dedução de prejuízos do exercício anterior” e que “o réu podia fazer o IRC com os documentos que apresentou para o IVA e para a segurança social, embora, incompletamente, porque nem toda a documentação é passível de ser descontada, mas toda ela é passível de ser considerada um custo, e que a falta dos documentos de extractos bancários não era relevante para documentar os pagamentos aos fornecedores, ou aos trabalhadores, pois que, na sua falta, havia o caixa, além de que, até 2001/2002, não eram sequer exigidos os extractos bancários, sendo bastante a conta-caixa, pois que era da contabilidade que se extraem todos os elementos para IVA, IRC e segurança social, embora não existisse contabilidade nem balanço”.A testemunha Alberto Braz, técnico oficial de contas e colega do réu, especulou e com erudição sobre cenários possíveis, no âmbito do contrato de prestação de serviço, e sobre as regras de elaboração da contabilidade e os mecanismos de impugnação tributária, importando registar que disse que “só com os elementos do IVA e da segurança social não é possível fazer o IRC”, que “a autora não terá utilizado todos os meios ao seu alcance para se opor à instauração da execução” e que “o modelo presumido é mais favorável ao contribuinte”, afirmando ainda que “o réu não tinha documentos bancários”.Esclarece-se que não releva o depoimento da testemunha Maria Alice Arede, esposa do réu, desprovido de qualquer credibilidade, cheio de contradições e hesitações, em especial, na segunda parte do mesmo, a instâncias da Mª Juiz e do Exº mandatário da autora, acabando por denotar, num mero registo audiográfico, alguma perturbação e desconforto e um desejo manifesto de chegar ao fim.Importa, igualmente, salientar, ao contrário do discurso recorrente do réu, ao longo de todas as alegações da apelação, que não se extrai dos depoimentos e declarações de todas as pessoas ouvidas, em gravação audiomagnética, ou dos documentos constantes dos autos, que a autora ou o seu representante legal tivessem conhecimento que o réu não processava, nem entregava as declarações respeitantes a IRC, conformando-se com a situação e aceitando a liquidação oficiosa, desde 1996.Assim sendo, face à prova produzida, em relação ao ponto nº 1, onde se pergunta se “no âmbito das funções, o réu deveria preparar os documentos de receitas e despesas, elaborando e assinando as declarações fiscais, as demonstrações financeiras e seus anexos, e tudo o mais que se relacionava com o cumprimento das obrigações fiscais da Autora”, e ao ponto nº 2, da base instrutória, onde se pergunta se “o trabalho do R. para com a A. sempre consistiu, em processar as Declarações do IVA, bem como processar salários e preencher a Declaração de remunerações para a Segurança social”, que com o primeiro se acha, estreitamente, conexionado, em vez da resposta de “provados” ou “não provados”, declarar, apenas, no que concerne à respectiva matéria factual, que se considera demonstrado, tão-só, o que consta da alínea B), da “especificação”.Quanto ao ponto nº 9 da base instrutória, onde se pergunta se “o réu se encontrava na posse de todos os documentos relativos à contabilidade da Autora”, passará a constar do mesmo, como esclarecimento, que “o réu se encontrava na posse de todos os documentos relativos à contabilidade da autora, que esta entregava ou aquele solicitava”.Em relação aos pontos nºs 5º, 16º e 17º da base instrutória, não resulta da análise dos extractos dos depoimentos das testemunhas referidos, sem esquecer o teor dos documentos constantes de folhas 34 a 72, inclusive, justificação bastante para proceder à respectiva alteração.Com efeito, as importâncias de 5079,27€ e 3543,96€, a título de IRC, relativas aos anos de 1997 e de 1998, respectivamente, foram calculadas por presunção, sem direito a qualquer reclamação, por parte do autor, que, por isso, as reclama como quantias de IRC indevido.Ao invés, a autora não reclamou o valor pago, a título de IRC, referente aos anos de 1999, 2000 e 2001, por de tratar de “IRC devido”, e não como o dos anos anteriores, que se reportava a “IRC indevido”.Por seu turno, no que concerne ao ano de 2002, a autora pagou 6.515,53€, a título de IRC, e 521,24€ de derrama, enquanto que lhe competia satisfazer, apenas, 3.638,19€ de IRC e 291,05€ de derrama, correspondentemente, razão pela qual acumulou um prejuízo de 3.107,53€ [(6515,53 - 3638,19 = 2877,34)->(521,24 - 291,05 = 230,19)…(2877,34 + 230,19 = 3.107,53].Quanto às importâncias reclamadas, a título de honorários, trata-se de valores resultantes do exercício da actividade profissional do técnico oficial de contas escolhido pela autora, que as suportou, a favor daquele, o que não aconteceria se, aquando da substituição dos dois técnicos, o réu não tivesse deixado uma significativa herança de serviços inexecutados, que o seu sucessor realizou.Nestes termos, este Tribunal da Relação, sem esquecer o teor dos documentos constantes de folhas 34 a 72, inclusive, entende que se devem considerar como demonstrados os seguintes factos:A autora é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, constituída por escritura pública, de 14 de Dezembro de 1992, matriculada, na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra, com o nº 5174 – A).A partir do mês de Dezembro de 1992, o réu obrigou-se a prestar serviços à autora, no âmbito das suas funções profissionais de técnico oficial de contas – B), 1º e 2º. O réu cumpriu as suas obrigações profissionais, no que respeita às declarações periódicas de IVA e às da segurança social – C).Por requerimento de 28 de Fevereiro de 2003, a autora instaurou contra o réu uma providência cautelar não especificada, na qual, depois de expor os mesmos factos que se alegam, na petição inicial desta acção, requereu a apreensão judicial de todos os documentos relativos à contabilidade da autora, que se presumia estarem na residência do réu, e a sua imediata entrega à autora – D).Por decisão de 17 de Março de 2003, proferida no procedimento cautelar que, com o nº 479/03.9TBCBR, correu termos pela 1ª Vara Mista de Coimbra, foi julgado procedente o pedido, e determinada a apreensão de todos os referidos documentos – E).No dia 3 de Abril de 2003, não foi possível efectuar a diligência ordenada, pelo facto de o réu não se encontrar na sua residência – F).Mas, no dia 7 de Abril de 2003, já foi possível cumprir a diligência em apreço, pelo menos, parcialmente, tendo sido feita a entrega, pelo réu, à autora, dos suportes de contabilidade relativos aos anos de 1998 e 1995, uma pasta de cada ano, duas pastas do ano de 1993, uma pasta do ano de 1994 e uma pasta de 2001, e uma pasta de arquivo com documentos de impostos e um livro de Diário, Razão, Balancete, em branco, faltando ainda os documentos relativos à contabilidade referente aos anos de 1996, 1997, 2000 e parte de 2002, que o requerido referiu que se encontravam, no seu escritório, em Coimbra, e de que se comprometeu a fazer entrega, até ao dia 11 de Abril, tal como veio a acontecer – G).O autor participou ainda, criminalmente, contra o réu, pelos mesmos referidos factos, imputando-lhe a prática de um crime de infidelidade, mas o inquérito que, com o nº138/03.2TACBR, correu termos, pela 1ª Secção do DIAP de Coimbra, viria a ser arquivado, designadamente, por falta de indícios de especial intenção de causar prejuízo patrimonial, por despacho de 30 de Setembro de 2003 – H).O réu, nos anos de 1993 até 2003, não preparou os documentos de receitas e despesas, não elaborou nem assinou as declarações fiscais de IRC, nem quaisquer demonstrações financeiras, nem quaisquer anexos, nem actas, nem livros selados – 3º.Mesmo depois de solicitado para o efeito, pela autora, o requerido não fez entrega do balanço necessário para se proceder à redenominação do capital em euros, exigência legal imposta pelo DL nº 339-A/2001, de 28/12, a qual, por tal motivo, só, por escritura pública de 28 de Novembro de 2003, foi possível satisfazer – 4º.A autora, só, em Setembro de 2002, veio a ter conhecimento de tal situação, por força da notificação feita à empresa, relativa à liquidação oficiosa de IRC do exercício de 1998, por falta de entrega da declaração de rendimentos – 5º.Uma das consequências da actuação do réu foi o facto de que a empresa autora tem sido colectada por presunção, e não pela análise da sua verdadeira situação contributiva fiscal – 6º.O réu encontrava-se na posse de todos os documentos relativos à contabilidade da autora, que esta entregava ou aquele solicitava – 9º.A autora encarregou, entretanto, outro técnico oficial de contas de proceder à elaboração da sua contabilidade, mas este não a podia fazer, sem estar, previamente, na posse de toda a documentação que se encontrava na posse do réu – 10º.Desde Setembro de 2002 que o réu foi prometendo entregar todas as pastas de documentos à autora, ou ao seu novo técnico de contas, mas acabava sempre por não cumprir – 11º.No dia 21 de Fevereiro de 2003, a autora, na pessoa do seu sócio-gerente, Jorge Carapinheira, deu um último prazo ao réu – 12º.O réu prometeu que, no Domingo seguinte, ia reunir todos os documentos em apreço e que, na segunda-feira seguinte, dia 24, tudo entregaria ao Sr. Girão, o actual técnico de contas da autora – 13º.O que voltou a não cumprir – 14º.No dia 27 de Fevereiro, voltou a prometer que entregaria todos os documentos, no fim-de-semana seguinte – 15º.A autora fez tudo o que estava ao seu alcance para tentar não ser penalizada pela Administração Fiscal, mas sem quaisquer resultados – 16º.A autora fez as seguintes despesas que não teria feito se não fosse a conduta do réu: a) No dia 06/10/2003, pagou, com referência ao ano de 1997, juros compensatórios de 660,31€, juros de mora de 67,34€ e IRC de 5.079,27€.b) No dia 06/10/2003, pagou, com referência ao ano de 1998, juros compensatórios de 460,71€, juros de mora de 7,70€ e IRC de 3.543,96€.c) Com referência ao ano de 1999, pagou, no dia 10/09/2003, juros compensatórios de 199,64€ e juros de mora de 9,60€, e, no dia 13/06/2003, coimas e custas de 55,36€.d) Com referência ao ano de 2000, pagou, no dia 17/12/2003, juros compensatórios de 1.083,89€ e juros de mora de 294,60€.e) Com referência ao ano de 2001, pagou, em 10/03/2004, juros compensatórios de 1.278,66€ e juros de mora de 582,82€, em 15/07/2003, coimas e custas de 128,93€, em 03/02/2004, coimas e custas de 844,50€, e, em 30/06/2003, honorários do novo técnico oficial de contas, sem IVA, de 1.879,20€.f) Com referência ao ano de 2002, pagou, em 29/05/2003, de IRC 6.515,53€, e de derrama 521,24 €, quando poderia e deveria ter pago, apenas, de IRC 3.638,19€, e de derrama 291,05€, de onde resulta um prejuízo de 3.107,53€, e, em 30/05/2003, honorários ao seu novo técnico oficial de contas, sem IVA, de 1.302,80€ – 17º. II. DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃOEfectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, importa reter que, a partir de Dezembro de 1992, o réu obrigou-se a prestar serviços à autora, no âmbito das suas funções profissionais de técnico oficial de contas. Porém, o réu não preparou os documentos de receitas e despesas, não elaborou nem assinou as declarações fiscais de IRC, nem quaisquer demonstrações financeiras, anexos, actas ou livros selados, desde 1993 até 2003, facto este de que a autora veio a ter conhecimento, tão-só, em Setembro de 2002.Tendo a autora encarregado outro técnico oficial de contas de proceder à elaboração da sua contabilidade, e funcionando a entrega da respectiva documentação, que se encontrava na posse do réu, como condição «sine qua non» da sua efectivação, este indisponibilizou-se, sucessivamente, a fazê-lo, apesar de insistentes solicitações da autora, para o efeito, desde logo, em Setembro de 2002, continuando em duas datas de Fevereiro de 2003, vindo a efectivar-se a sua apreensão judicial parcial, no dia 7 de Abril de 2003, na sequência de uma providência cautelar não especificada, para só ficar concluída a restituição, a 11 de Maio seguinte, aquando da entrega dos restantes documentos existentes na posse do réu. A autora accionou, sem êxito, os meios ao seu alcance no sentido de obviar a qualquer penalização, por parte da Administração Fiscal, sobrevindo para a mesma, devido à conduta do réu, que, de outro modo, não teriam acontecido, despesas que realizou, em IRC, em juros compensatórios, em juros de mora, em derramas, em coimas, em custas e honorários do novo técnico oficial de contas, sem IVA, no montante de 20586.82€. O contrato de prestação de serviço, segundo a definição constante do artigo 1154º, do Código Civil (CC), “é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.Para além do mandato, do depósito e da empreitada, modalidades tipificadas do contrato de prestação de serviço, que a lei regula, especialmente, outras existem, de carácter inominado, como seja a dos serviços prestados no exercício de artes e profissões liberais, que a lei já não contempla, especialmente, mas cujo regime é disciplinado, extensivamente, pelas disposições sobre o mandato, conforme resulta do preceituado pelos artigos 1155º e 1156º, do CC.A este propósito, dispõe o artigo 2º, nº 1, do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas (DL nº 265/95, de 17 de Outubro), que encerra o Código Deontológico destes profissionais, que “são funções dos técnicos oficiais de contas assumir a responsabilidade pela regularidade fiscal das entidades sujeitas a imposto sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade organizada, devendo assinar, conjuntamente com aquelas entidades, as respectivas declarações fiscais”, acrescentando os respectivos artigos 19º, nº 1 e 21º, nºs 1, a) e b), que “os técnicos oficiais de contas têm o dever de…desempenhar consciente e diligentemente as suas funções…”, devendo “abster-se de qualquer procedimento que ponha em causa as entidades a quem prestem serviço”.Sendo a culpa um dos elementos, essencialmente, constitutivos do direito à indemnização, cabe ao réu, no quadro da responsabilidade civil contratual em que, manifestamente, se inserem as relações negociais que estabeleceu com a autora, enquanto devedor, onerado com a presunção de culpa que sobre si recai, a prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, nos termos gerais da repartição do ónus probatório, em conformidade com o estipulado pelos artigos 342º, nº 2, e 799º, nº1, do CC, por ser quem, na generalidade das situações, se encontra em melhores condições para demonstrar as razões do seu comportamento perante o credor .Porém, o réu, encontrando-se na posse de todos os documentos relativos à contabilidade da autora, não preparou as declarações de receitas e despesas, não elaborou nem assinou as declarações fiscais de IRC, nem quaisquer demonstrações financeiras, anexos, actas ou livros selados, desde 1993 até 2003, e, tão-só, no dia 11 de Maio de 2003, na sequência de uma providência cautelar não especificada, proposta pela autora, em 17 de Março antecedente, que decretou a apreensão judicial de todos os documentos relativos à sua contabilidade, viria a proceder à entrega da totalidade dos mesmos.Assim sendo, o réu não demonstrou os factos alegados na contestação, ou seja, que a razão da impossibilidade de organizar a contabilidade e de apresentar as declarações e os documentos da autora se ficou a dever ao facto desta não lhe ter facultado os elementos de suporte contabilísticos necessários, e bem assim que o seu trabalho sempre consistiu, apenas, no processamento das declarações do IVA, dos salários e no preenchimento das declarações para a segurança social, ou ainda que as liquidações oficiosas do imposto, relativo aos anos de 1997 e 1998, foram uma opção da autora, não imputável à conduta do réu.Ora, recaindo sobre o réu o ónus da prova da falta de culpa da sua actuação na verificação do efeito danoso, e não sobre a autora o ónus da prova da culpa daquele, não tendo o réu logrado realizá-la, deve considerar-se, presumivelmente, culpado pela sua produção, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 344º, nº 1 e 350º, nºs 1 e 2, do CC.Para além do facto voluntário, ilícito e culposo, praticado pelo réu, os danos sobrevindos são resultantes do mesmo e, por ele causados, actuando como sua causa real e operante.Estão, assim, verificados os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, condicionantes da obrigação de indemnizar imposta ao lesante, pelo não cumprimento da obrigação a seu cargo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 406º, nº 1, 762º, nº 1, 763º, nº 1 e 798º, todos do CC.Por isso, sempre que alguém estiver obrigado a reparar um dano, “deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, deste modo erigindo o artigo 562º, do CC, como princípio geral quanto à indemnização, o dever de ser reconstituída a situação anterior à lesão, isto é, o da reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano.A indemnização, por forma diversa da que resulta do princípio da reconstituição natural, consagrado pelo normativo acabado de citar, como seja em dinheiro, assume carácter subsidiário, apenas tendo lugar, conforme resulta do estipulado pelo artigo 566º, nº 1, também, do CC, “…sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. E a obrigação de indemnização compreende, nomeadamente, por força do disposto no artigo 564º, nº 1, do CC, o prejuízo causado, ou seja, o dano emergente. No caso presente, a autora pede uma indemnização pelos prejuízos decorrentes do não cumprimento do contrato de prestação de serviço que celebrou com o réu, na quantia de 20.586,82€, a quanto ascendeu, devido à conduta deste, que, de outro modo, não teriam acontecido, o montante despesas que realizou, em IRC, em juros compensatórios, em juros de mora, em derramas, em coimas, em custas e honorários do novo técnico oficial de contas, sem IVA.Improcedem, assim, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações do réu.*CONCLUSÕES:Recaindo sobre o réu, enquanto devedor, no quadro da responsabilidade civil contratual, o ónus da prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, e não sobre o autor, na qualidade de credor, o ónus da prova da culpa daquele, não tendo o réu logrado realizá-la, deve considerar-se, presumivelmente, culpado pela produção do dano, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 344º, nº 1 e 350º, nºs 1 e 2, do CC.*DECISÃO:Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar, inteiramente, a douta sentença recorrida.

Contra-ordenação. Princípio do contraditório. Direito de defesa. Dados pessoais

CONTRA-ORDENAÇÃOPROCESSO ADMINISTRATIVOPRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIODIREITO DE DEFESAMEIOS DE PROVAPRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃODADOS PESSOAISDIREITO A RESERVA SOBRE A INTIMIDADENULIDADE PROCESSUAL






I. – A fase administrativa de um processo contra-ordenacional é uma fase inquisitória, equivalente à fase de inquérito em processo penal, pelo que a entidade administrativa tem o poder de aferir da necessidade e conveniência da produção de provas que hajam sido requeridas pelo arguido; II. – A autoridade administrativa tem o poder de ordenar a realização de entre as diligências requeridas aquelas que se revelem pertinentes e relevantes para o apuramento da verificação ou não do facto quialificado como contra-ordenacional.III. - A utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum foi regulada pela Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, que foi objecto de alterações pontuais pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho. IV. - Os registos, a gravação e o tratamento de dados pessoais têm lugar, apenas, para as finalidades, específicas determinadas na lei (cfr. art. 10º): - Detecção de infracções rodoviárias e aplicação das correspondentes normas estradais; - Controlo de tráfego, prevenção e socorro em caso de acidente; - Localização de viaturas furtadas ou procuradas pelas autoridades judiciais ou policiais para efeitos de cumprimento de normas legais, designadamente de carácter penal, bem como a detecção de matrículas falsas em circulação; -Prova em processo penal ou contra-ordenacional nas diferentes fases processuais. V. – A lei não exige o inventário e notificação dos equipamentos à CNPD (Comissão Nacional de Protecção de Dados).VI. - A CNPD não detém competência exclusiva da fiscalização da violação dos mencionados direitos, liberdades e garantias, essa função também cumpre, por expressa determinação legal e por maioria de razão, aos tribunais a quem compete, em última instância, fiscalizar as decisões da própria C.N.P.D. Como entidade administrativa independente que funciona junto da Assembleia da República, tem como atribuição genérica controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei.VII. – Na utilização de um aparelho de radar para medição da velocidade instântanea a que circulam os veículos na via pública o que está em causa é apenas o modo de utilização de um equipamento de radar, em local público, o que obriga todos aqueles que utilizam esse espaço público a assumir o risco inerentes ao “convívio” os demais que tenham necessidade ou queiram utilizar a mesma estrada, ficando, deste modo, o espaço de liberdade de cada um reduzido pela “comunhão” forçada na utilização do espaço aberto ao universo de todos os cidadãos.VIII. - Em matéria de provas – como em todo o ordenamento jurídico em geral – vigora o princípio da ponderação dos interesses conflituantes, dando prevalência àquele que em concreto surge como preponderante, no caso, em espaço público, o interesse público na segurança da circulação rodoviária. IX. – Aeventual falta de comunicação (e a lei não estabelece prazo peremptório para o efeito) que, tendo o radar em causa sido homologado e aprovado após certificação pelo IPQ, não autoriza a concluir que com esse meio de prova haja sido utilizado um método proibido de prova, nos termos previstos no art.º 126.º do Código de Processo Penal. X. – É que, por um lado a lei não a comina com a proibição e, por outro, os interesses materialmente pressupostos pela proibição dos meios de prova (protecção da intimidade/reserva dos dados pessoais) não se inscreverem no âmbito da protecção da norma violada (mero inventário/notificação).XI. - A exacta correspondência do acto processual aos parâmetros normativos que a lei estabelece para a sua perfeição permite a produção dos efeitos que lhe são próprios, mas a falta ou insuficiência dos requisitos, tornando o acto imperfeito, é susceptível de consequências jurídicas diversas em razão da gravidade do vício – cfr. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, 1994, III, 55).XII. – Só a nulidade absoluta é insusceptível de sanação considerando-se sanadas as nulidades relativas quando não arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos momentos processuais expressamente prevlstos na tel artigos 120º, n.º 3, 121º, n.º1 e 105º, n.º1 do CPP. XIII. – As nulidades relativas ou irregularidades só determinam a nulidade daquilo que puderem afectar, materialmente, dentro de uma fundamentação que leve a concluir pela sua relevância, em concreto, dentro do objecto do processo e da finalidade que o acto preterido visa alcançar.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:A arguida, AA, S. A., recorre da sentença que julgou totalmente improcedente o recurso de impugnação da decisão proferida pela Direcção-Geral de Viação que, na qualidade de proprietária de veículo detectado, por radar, no dia 23.06.2005 às 22h.54m., ao Km. 168 da Auto-estrada A1, a circular à velocidade de, pelo menos, 205 km./h, lhe aplicou uma coima no montante de 500 euros e a sanção acessória de apreensão de veículo pelo período de 60 dias.Remata a motivação com as seguintes CONCLUSÕES:1A aqui recorrente notificada do auto de notícia n.º 248073710 apresentou requerimento de defesa no qual requereu vários elementos de prova, justificando que tais elementos eram essenciais ao exercício do seu direito de defesa.2Alegou que a utilização de aparelhos aprovados em nada prejudica o seu direito de pôr em crise o registo efectuado, uma vez que os aparelhos não são infalíveis, nem imunes a avarias ou deficiente utilização.Alegou ainda que do auto de notícia não constava a concreta identificação do aparelho de medição, nem tão pouco a identificação do registo fotográfico por ele efectuado.3Finalmente justificou o requerimento de elementos de prova com o facto da velocidade imputada ser incompatível com os dados de velocidade máxima fornecidos pelo produtor do veículo, consubstanciando tal incompatibilidade a possibilidade de falha de medição do aparelho em causa, por largo excesso.4A entidade administrativa apenas procedeu à realização de parte das diligências de prova requeridas pela recorrente.5Em novo requerimento, reiterou e justificou o seu interesse na pratica das restantes diligências probatórias requeridas.6A entidade administrativa não fundamentou a recusa da prática das diligências probatórias em falta, proferindo, desde logo, decisão condenatória.7Na impugnação judicial da decisão administrativa a recorrente pugnou pela violação, na decisão da entidade administrativa, do princípio da aquisição da verdade material (conclusões 3a a 7a)8As diligências probatórias requeridas pela arguida, são essenciais à satisfação das obrigações impostas pelo referido princípio da aquisição e descoberta da verdade material, pelo que, mesmo oficiosamente estava a entidade administrativa obrigada a ordená-las, o que não fez, violando assim frontalmente o disposto nos art0s 54º, nº 2 do DL 433/82 e 340º CPP ex vi art. 41 do DL 433/82.9Sobre tal matéria não existiu qualquer pronúncia, na decisão recorrida, razão pela qual é nula a decisão, nos termos do disposto no art. 379º, 1, al.c), nulidade que aqui expressamente se argui.10De igual modo, na sentença recorrida, o Tribunal não se pronunciou quanto à arguida nulidade prevista no art0 120º, nºs 1 e 2, aí. d) do CPP ex vi art 41 do DL 433/82 (conclusões 8a e 9a)11De facto a recorrente arguiu a nulidade da decisão administrativa, face a omissão das requeridas diligências de prova, que no caso, são essenciais à descoberta da verdade e a boa decisão da causa.Não tendo o Tribunal conhecido de tal matéria, temos que a sentença recorrida é nula ao abrigo do disposto no art. 379º, 1, al.c), nulidade que aqui expressamente se argui.12Da leitura atenta da sentença recorrida resulta evidente que, em nenhum momento, o Tribunal fundamenta o juízo de impertinência proferido quanto as diligências de prova requeridas pela recorrente.13Sucede que, não basta que na sentença recorrida se lance mão do que vem sendo sustentado pela jurisprudência e doutrina.Haverá que, no caso concreto, fundamentar o decidido. Isto é, não basta dizer que a entidade administrativa só está obrigada a praticar as diligências requeridas pelo arguido que não sejam impertinentes ou dilatórias.14Na realidade, para se chegar a conclusão a que se chegou na decisão recorrida, haveria, em sede de fundamentação, de demonstrar-se que as diligências requeridas pela aqui Recorrente, e que não foram praticadas pela entidade administrativa, eram diligências impertinentes ou dilatórias.15Falta, na sentença recorrida este passo lógico, que carecia de devida fundamentação. Na sentença recorrida, nada se diz a este propósito, razão pela qual é patente a falta de fundamentação do decidido.16Pelo exposto, violou-se na decisão recorrida, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art. 374º nº 2 do CPP.Violação essa que se consubstancia em nulidade da sentença recorrida, ao abrigo do disposto no nº 1, al. a) do art. 379º do CPP, nulidade que aqui expressamente se argui.17Mas o facto da entidade administrativa não estar obrigada à realização de todas as diligências de prova requeridas pelo arguido, não a desobriga do dever de fundamentar a recusa da prática de certas diligências de prova requeridas, fundamentando a sua impertinência ou carácter dilatório.18Na sentença recorrida, embora aceitando-se que a entidade administrativa não praticou todas as diligências de prova requeridas pela recorrente, nem fundamentou tal recusa entendeu-se que, em sede de esclarecimento, inexiste a obrigação da entidade administrativa fundamentar de forma extensiva a não realização de diligências probatórias, donde que se aclara que em nada beliscou a entidade administrativa o direito de defesa do Recorrente (...)19Salvo melhor opinião, não pode a recorrente conformar-se com tal entendimento.De facto, a entidade administrativa, tinha que ter fundamentado a recusa em ordenar as restantes diligências probatórias, não bastando sequer que as qualificasse como dilatórias ou impertinentes. Tal qualificação é mera conclusão, razão pela qual havia que fundamentar de facto as razões que justificavam a não realização das restantes diligências probatórias requeridas.20Resulta claro que, no caso em apreço, a entidade administrativa não praticou todas as diligências probatórias requeridas, nem fundamentou tal recusa.21Pelo exposto, tendo-se decidido, na sentença aqui recorrida, que a entidade administrativa não estava obrigada a fundamentar a recusa da prática de parte das diligências probatórias requeridas pela recorrente, foi violado, por errada interpretação e aplicação o disposto nos arts. 55º do DL 433/82 e art. 97º nº 5 do CPP, tendo igualmente sido violado o direito de defesa previsto no art. 50 do DL 433/82.22As diligências de prova requeridas pela recorrente foram devidamente justificadas ao abrigo do seu direito de defesa.Não tendo sido realizadas todas as diligências de prova requeridas ficou a recorrente impossibilitada de contraditar os factos que lhe eram imputados.23Dúvidas não existem que a arguida, no pleno e eficaz exercício do seu direito de defesa, sempre poderá questionar e contraditar a correcta utilização do aparelho, a fidelidade da transcrição dos dados por ele registados e o estado de funcionamento do aparelho à data dos factos. É essencial que ao arguido sejam fornecidos (de facto) elementos técnicos que permitam apurar a precisão do aparelho e do seu bom funcionamento e, também, da sua correcta utilização.24Para que a arguida possa abalar a credibilidade dos dados fornecidos pelo aparelho, terá de conhecer os dados técnicos requeridos, para assim poder produzir prova que afecte essa mesma credibilidade. E atenta a especificidade técnica dos aparelhos, só o poderá fazer através de parecer técnico (documental ou testemunhal).25A recorrente foi condenada sem ter tido a possibilidade de apurar os dados técnicos relativos ao aparelho em causa. Continua sem saber quais os factores que são considerados na “margem de erro máximo admissível”.26O relatório de ensaio efectuado pelo IPQ é anterior à data da infracção, desconhecendo a recorrente se na verificação posterior ocorreu alguma desconformidade.27Continua a recorrente sem saber quais as normas de correcta utilização, para apurar se o aparelho foi devidamente utilizado.28Os elementos técnicos que foram solicitados e recusados pela entidade administrativa destinavam-se a apurar e contraditar (em termos técnicos, naturalmente) os procedimentos da verificação efectuada pelo IPQ. O que se verifica? Como se verifica?29A leitura dos despachos de aprovação apenas esclarece os dados técnicos do modelo, mas nada ai se diz quanto à margem de erro admissível, quanto à correcta utilização, quanto aos dados técnicos dos procedimentos de verificação ou reparação de avarias...30Salvo melhor opinião, o Tribunal confundiu dois conceitos absolutamente distintos:Uma coisa é a utilização de aparelhos aprovados, outra completamente distinta é a verificação do seu bom funcionamento, a verificação do cumprimento dos procedimentos técnicos de verificação e factores de erro inerentes a essa verificação. Como distinto é o apuramento de factores que podem influenciar a margem de erro que é referida no auto de noticia, mas sem qualquer suporte técnico que a justifique.31Nem se diga que a recorrente poderia ter solicitado a verificação extraordinária do aparelho, pois que quando teve acesso à informação quanto ao concreto aparelho já haviam decorrido quase 2 anos da alegada infracção.32A recorrente viu-se impedida, por falta de dados técnicos imprescindíveis à defesa (também ela técnica), de contraditar o regular funcionamento do aparelho e a suacorrecta utilização à data dos factos, violando-se assim, frontalmente o seu direito de defesa, violação essa sufragada pelo Tribunal recorrido, ao entender que o direito de defesa da recorrente foi assegurado e que lhe foram notificados todos os elementos necessários à verificação do bom funcionamento do aparelho e da sua correcta utilização.33Pelo exposto, é claramente de concluir que na decisão recorrida foram violados, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos arts 5º e 54º nºs 2 e 3 do DL 433/82.34Por outro lado, decidindo-se que não se verificou a inconstitucionalidade das normas dos arts 50º e 54º do DL 433/82, quando interpretadas no sentido de dispensarem a realização de diligências probatórias destinadas ao efectivo contraditório dos factos imputados, constantes do auto de noticia, violou-se na decisão recorrida, por errada interpretação e aplicação os princípios do contraditório e audiência e defesa consagrados no art. 32º nºs 1, 5 e 10 da CRP.35Conforme resulta da sentença recorrida entendeu o Tribunal que dos elementos documentais de fls. 24 e ss. se conclui pela verificação do equipamento, relatório de ensaio, margens de erro dos equipamentos, e aprovação do referido radar e sua publicação, que o mesmo estava legalizado e cumpria todas as normas legais.36Salvo o devido respeito, tais elementos documentais apenas permitem a conclusão de que o aparelho em causa estava aprovado, foi submetido a verificação de conformidade pelo IPQ em Fevereiro de 2005.37No entanto, tais elementos documentais em nada esclarecem quanto à margem de “erro máximo admissível” que resulta do auto de noticia e em nada esclarecem quanto ao modo como o aparelho foi verificado pelo IPQ (procedimento técnico de verificação), não esclarecendo igualmente quanto ao adequado funcionamento e utilização na data da imputada infracção.38Pelo exposto, existe erro notório na apreciação da prova, vicio esse que expressamente se invoca, devendo tal vício ser suprido por V. Exs. nos termos legais (cfr. art. 410º, nº 2, al. c) do CPP).39A infracção imputada à recorrente ocorreu em 23 de Junho de 2005. O aparelho que registou a infracção foi alvo de comunicação à CNPD em data posterior (05/05/2006). 40A Lei nº 1/2005 de 10/01 veio regular a utilização de câmaras de vídeo pelas forças de segurança em locais públicos de utilização comum.41Nos termos do disposto no art. 2 da citada lei, não se incluía a prevenção e repressão de infracções estradais nos fins visados pela utilização de tais sistemas de videovigilância.42Só com a alteração efectuada pela Lei nº 39-A/2005 de 29/07 é que passou a ser autorizada a utilização de videovigilância com o fim de prevenção e repressão de infracções estradais, ficando no entanto por regulamentar os procedimentos a adoptar na instalação e tratamento dos dados recolhidos.43Daqui resulta que tendo a infracção ocorrido em 23 de Junho de 2005, isto é, antes da autorização concedida pela Lei nº 39-A/2005 (de 29/07), não estava autorizada a utilização dos sistemas de videovigiláncia para a prevenção e repressão de infracções estradais.44Pelo que, aquela utilização foi efectuada em clara desconformidade com os fins autorizados pela Lei nº 1/2005 de 10101, sendo por isso ilegal a utilização do registo fotográfico, como meio de prova da imputada infracção.45Sem prescindir, e caso assim se não entenda, sempre se dirá que, após a autorização concedida com a alteração decorrente da publicação da Lei nº 39-A12005, de 29/07, essa autorização ficou condicionada à aprovação, ouvida a CNPD, da legislação que regulamentasse os procedimentos a adoptar na instalação de sistemas de vigilância rodoviária e tipificasse os procedimentos a adoptar para o tratamento da informação recolhida, estabelecendo igualmente o regime de transição para a utilização dos sistemas existentes.46Ora tal regulamentação só veio a ser publicada em Novembro de 2005 — DL nº 207/2005.De acordo com o citado DL entre outros procedimentos ficaram as forças de segurança obrigadas a notificar a CNPD dos sistemas de videovigilância por si utilizados.47É por demais evidente que a autorização concedida é uma autorização condicionada ao cumprimento de determinados deveres, nomeadamente a comunicação à CNPD.Parece que o desrespeito por tal imposição legal, leva à conclusão lógica de que a prova fotográfica recolhida por aparelho não notificado à CNPD é ilegal, não podendo ser utilizada para efeitos de condenação.48Contende com os dados pessoais, abrangidos pela protecção de dados, a informação de onde, quando e em que condições circulam os veículos, uma vez que é possível a obtenção de mais dados pessoais através dos que ficam registados, nomeadamente, a identificação do proprietário do veiculo em causa.49No momento em que a prova fotográfica foi recolhida (Junho de 2005), a utilização dos sistemas de videovigiláncia para prevenção e repressão de infracções estradais ainda não estava legalmente autorizada, razão pela qual a utilização de tal meio de prova é absolutamente ilegal, sendo nula a prova assim obtida para além dos limites da autorização.50Pelo exposto, ao considerar-se tal prova fotográfica para efeitos de condenação, fez-se, na decisão recorrida, errada interpretação e aplicação do disposto no art. 2º da Lei nº 1/20005 de 10 de Janeiro, violando-se o citado normativo.51Sem prescindir e por mera cautela, a autorização concedida pela alteração resultante da Lei nº 39-A/2005 de 29/07, ficou condicionada á aprovação dos procedimentos que vieram a ser regulamentados pelo DL n0 207/2005 de 29 de Novembro, razão pela qual, até à data da entrada em vigor deste diploma legal e ao cumprimento das suas imposições (nomeadamente comunicação à CNPD) os registos efectuados através dos sistemas de videovigilância não poderiam ser utilizados como meio de prova.52Pelo exposto, violou a decisão recorrida, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art. 13º da Lei nº 39-A/2005 e o disposto no art. 5º do DL 207/2005.TERMOS EM QUE:Devem as nulidades arguidas ser declaradas com as legais consequências, devendo outrossim ser a sentença recorrida revogada por errada interpretação e aplicação, em violação dos normativos indicados nas precedentes conclusões.*Na resposta o Exmo. Magistrado do MºPº sustenta a total improcedência do recurso.O douto parecer sustenta a rejeição do recurso por manifesta improcedência.Corridos os vistos, mantendo-se a validade do processo, após a conferência, cumpre decidir. 1 – Nulidade da decisão por omissão de pronúncia e falta de fundamentação Não pode confundir-se, como faz a recorrente, a falta de fundamentação com a eventual discordância dessa mesma fundamentação que noutra sede se vem impugnar. Compulsando a sentença recorrida verifica-se que a mesma se pronunciou acerca de todas as questões suscitadas pela recorrente. E fê-lo de forma fundamentada - ainda que não sufragando a fundamentação pretendida pela recorrente, uma vez que indeferiu a sua pretensão. Tratando exaustivamente, ao longo de mais de 4 páginas de texto corrido as questões relativas à invocada preterição do direito de defesa.Citando, além do mais, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.06.2000, cujo entendimento é sufragado e cujo sumário reproduz nos seguintes termos: I O arguido tem o direito de se pronunciar sobre a contra-ordenação e sobre a sanção ainda na fase administrativa, bem como o de requerer a prática de diligências relevantes para a sua defesa, em termos equiparados aos que sucedem em sede de inquérito relativamente à autoridade judiciária. II - A autoridade administrativa não está obrigada à prática dos actos requeridos pelo arguido; III - Presidindo aquela entidade à investigação e instrução, apenas deverá praticar os actos que se proponham atingir às finalidades daquela fase processual, o que não coincidirá necessariamente, com os actos praticados.A mesma sentença refere ainda que a fase administrativa é uma fase inquisitória, equivalente ao inquérito em sede de processo penal, pelo que, é à entidade administrativa que incumbe aferir quais as diligências essenciais, e que o contraditório, neste caso, se encontra mais diluído, não estando revestida do formalismo que caracteriza as fases contraditórias do procedimento.Concluindo, de acordo com o entendimento assumido que “se retira a inexistência da obrigação da entidade administrativa fundamentar de forma extensiva a não realização de diligências probatórias, donde que se aclara que em nada beliscou a entidade administrativa o direito de defesa do recorrente (...)”.Sendo certo, acrescenta-se, que na decisão proferida na fase administrativa, sujeita à celeridade e simplicidade, o dever de fundamentação é menos intenso do que na sentença. O que deve ser patente é que o arguido saiba as razões de facto e de direito que levam á sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a sua impugnação por meio de recurso e, já na fase judicial, ao tribunal de recurso conhecer o processo de formação da decisão recorrida – cfr. Ac.RC de 04.06.2003, in CJ, tomo III/2003, p. 40.Aliás, como se verá infra, antes de proferida a decisão final, a autoridade administrativa determinou a produção das provas requeridas pela recorrente tidas por relevantes no caso.É pois manifesto que a decisão recorrida se pronunciou fundamentadamente sobre as questões suscitadas, tanto que a recorrente, noutra sede procura rebater essa fundamentação.2 - Inconstitucionalidade das normas dos artigos 50º e 54º do DL 433/82, quando interpretadas no sentido de dispensarem a realização de diligências probatórias destinadas ao efectivo contraditório dos factos imputados, constantes do auto de noticia, por entender que, tal interpretação viola os princípios do contraditório e audiência e defesa consagrados no artigo 32º n.º, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa.Nos termos do artigo 50º do DL 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo DL 244/95 de 14 de Setembro “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.Por sua vez, o artigo 54ºº do citado diploma legal constitui um afloramento do princípio da investigação oficiosa.Ora na motivação da decisão, o tribunal recorrido fundamenta a sua convicção, explicando de forma clara, precisa e detalhada, as razões pelas quais considerou que, o princípio do contraditório, de audiência e o direito de defesa do arguido não tinham sido violados.Considerando, além do mais que, não obstante o direito de defesa do arguido também abranger o direito de intervir no processo de contra-ordenação, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências, “a verdade é que a fase administrativa de um processo contra-­ordenacional não é contraditória (...)”. Citando jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (Ac. de 03-12-2003, in www.dgsi.pt ) e do Tribunal da Relação de Coimbra (Ac.de 21-06-2000, in www.trc.pt).O artigo 50º do RGCOC confere o direito do arguido conhecer e se pronunciar sobre a contra-ordenação pela qual se encontra indiciado, podendo, designadamente, apresentar prova, sendo que, não tem a entidade administrativa que proceder a todas as diligências peticionadas, particularmente as que sejam meramente dilatórias ou que não sejam pertinentes.No caso dos autos, da ênfase da recorrente em sustentar que lhe foi negado o direito de defesa parece resultar que não teve oportunidade de tomar posição sobre a contra-ordenação na fase administrativa. Ou que, tendo requerido provas relevantes, viu negada a possibilidade de as produzir. Ora, compulsando os autos, como já se antecipou supra, verifica-se que o direito ao contraditório foi assegurado exaustivamente à arguida. Com efeito, notificada do auto de notícia, apresentou o seu requerimento de fls. 13-18 (ao abrigo precisamente do disposto no citado art. 50º).E, ao contrário do que parecem supor as conclusões de recurso, a autoridade administrativa tomou posição sobre o mesmo, tendo proferido o despacho de fls. 21.Acresce que tal despacho não recusou – ao contrário do que parece supor a recorrente - a produção da prova requerida. Pelo contrário determinou a realização das diligências tidas por pertinentes requeridas pela arguida, a saber: - solicitou a identificação do aparelho concreto de radar utilizado para detectar a infracção; os dados técnicos disponíveis relativamente ao dito aparelho; a calibração efectuada ao mesmo; o registo de eventuais avarias registadas em 2005; a ficha da verificação metrológica ao aparelho.De onde resulta evidente que foram determinadas as diligências requeridas, tidas por pertinentes e relevantes para o fim em vista. Tendo sido juntas aos autos, pela GNR, pelo IPQ, pela DGV todas as referidas informações relevantes para verificar o cumprimento dos procedimentos legais em vigor e a fiabilidade do aparelho, designadamente relativas à homologação, aprovação, verificação metrológica pelo Instituto Português da Qualidade, características técnicas do aparelho, ausência de registo de avarias – cfr. documentação junta de fls..23 a 36, inclusive dos autos.Só depois, perante todos os referidos elementos, foi proferida a decisão administrativa na qual os mesmos foram ponderados.Além do mais a recorrente não foi inibida de, por iniciativa sua, juntar outros elementos que entendesse por relevantes.Sendo certo que nada, na economia do processo e nos procedimentos legais em vigor para a utilização do radar em causa, aponta no sentido de que fosse relevante a produção de outras diligências.Não tem que ser ordenado tudo aquilo que o requerente entende, como que fazendo da autoridade administrativa seu paquete. Mas apenas as diligência aquelas que surgem como relevantes no quadro legal em vigor para o apuramento da infracção.Aliás se entendia relevante a realização de outras diligências podia ela própria, por sua iniciativa tê-las realizado.Tendo, pois, sido assegurado plenamente, dentro da economia própria do processo de contra-ordenação, o direito de defesa da recorrente.3 - Do erro notório na apreciação da prova.Resulta claro do artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal que tal vício apenas se verifica quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente uma conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal.Ora o recorrente ao invocar o referido vício fá-lo discordando da apreciação da prova efectuada, designadamernte tendo em vista a “mrgem de erro máximo admissível”.Não se trata pois de uma questão de erro lógico da sentença. Mas antes de valoração da prova.Sendo pois manifesto que não se verifica o falado vício.Aliás, não deixa de se assinalar que em toda a questão da medição da velocidade a recorrente acabou por ser beneficiada dado que no auto de notícia consta a velocidade efectivamente registada de 216 km/h. a que foi deduzida a referida margem de erro. Sendo sancionada apenas pela velocidade de 205 km/h..Pelo que a recorrente não só não viu beliscado o direito de defesa como, pelo contrário, viu efectuado um “desconto” imerecido à velocidade registada. Pois que não existe (nem a recorrente a invoca) norma legal que preveja tal “desconto”. Sendo as normas referentes às percetagens de erro dirigidas ao Intituto Porquguês da Qualidade, como condição de homolaogação e verificações periódicas dos aparelhos e não casuisticamente pelas autoridades fisclizadoras do trâncsito ou pelos tribunais, carentes de competência técnica e funcional para o efeito.Com efeito, tendo sido com base na medição efectuada através do aludido aparelho que a GNR elaborou o auto de notícia, a medição realizada faz fé em juízo até prova em contrário (cfr. art.º 170º/ 4 do Código da Estrada). Prova em contrário obviamente inexistente no caso.4 - Da ilegalidade da provaBatendo na mesma tecla sucessivamente sob prismas diferentes – tantos quantos cabem na previsão abstracta do CPP – invoca a recorrente, por último, a ilegalidade da prova obtida através da utilização dos sistemas de vídeo-vigilância.Também aqui a decisão recorrida apreciou a questão suscitada. No caso a velocidade a que seguia a viatura foi captada através do aparelho Multanova 6F, aprovado na DCV a 4/12/02 pelo despacho/ofício n.º 8036/2003 de 28 de Abril, como resulta dos elementos juntos aos autos a requerimento da arguida.Foi, pois, com base nos elementos recolhidos através do aludido aparelho que a GNR elaborou o auto de notícia. Tais elementos de prova fazem fé em juízo até prova em contrário (cfr. art.º 170º/ 4 do Código da Estrada), obviamente inexistente no caso.Argumenta a recorrente que são ilícitos os meios de prova recolhidos através deste aparelho já que não fora previamente notificado à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD).A Comissão Nacional de Protecção de Dados é uma entidade administrativa independente, que tem como atribuição controlar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais e regulamentares em matéria de protecção e dados pessoais e cujas competências, sempre relacionadas com o tratamento e a protecção de dados pessoais, se encontram elencadas no artigo 23º da Lei 67/98 de 26 de Outubro.Cumprindo-lhe assim, em qualquer circunstância, a vigilância e protecção, exclusivamente, da utilização de “dados pessoais”.Definindo o artigo 3º, al. a) do mesmo diploma os dados pessoais como “qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a pessoa singular identificada ou identificável titular de dados que possa ser identificada, directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social”.As entidades responsáveis pelo tratamento de dados pessoais têm que notificar a referida Comissão antes da realização de qualquer tratamento, de acordo com o disposto no artigo 27º n.º1 daquela Lei. Sob pena de incorrerem na prática da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 37º da mesma Lei. Está assim em causa o tratamento de dados pessoais e não – por consequência - dados relativos à condução automóvel na via pública.Sendo a consequência estabelecida para o não cumprimento da notificação uma sanção de natureza administrativa, que não a invalidade ou a nulidade da utilização, sem mais. A utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum foi regulada pela Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, que foi objecto de alterações pontuais pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho. Alterações essas que mereceram o consenso alargado em sede parlamentar. O Decreto-Lei n.º 207/2005 de 29.11 “visa regular o regime especial autorizado pelo artigo 13º da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, na redacção decorrente da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho” – cfr. art. 1º.Sendo certo que, no processo de aprovação do mencionado DL 207/2005 foi ouvida previamente a Comissão Nacional de Protecção de Dados. Definindo, além do mais (art. 1º): a) Os procedimentos a adoptar na instalação, pelas forças de segurança, de sistemas de vigilância electrónica rodoviária; b) As formas e condições de utilização pelas forças de segurança (…); c) Os procedimentos a adoptar para o tratamento da informação recolhida e o eficaz registo de acidentes, infracções ou quaisquer ilícitos; d) As formas através das quais as forças de segurança se coordenam para a eficaz interacção com as empresas, cujos equipamentos estão legalmente autorizadas a utilizar.Por seu turno, o art. 2.º postula: 1 - Com vista à salvaguarda da segurança das pessoas e bens na circulação rodoviária e à melhoria das condições de prevenção e repressão das infracções estradais, as forças de segurança podem recorrer:a) A meios de vigilância electrónica próprios;b) A sistemas de vigilância rodoviária e de localização instalados ou a instalar pela entidade competente para a gestão das estradas nacionais e pelas concessionárias rodoviárias nas respectivas vias concessionadas.2 – (…)Estabelecendo o artigo 3º que: a instalação dos meios de vigilância electrónica bem como a captação de imagens devem ser direccionadas, tanto quanto tecnicamente possível, para os veículos que sejam objecto da acção de prevenção ou de fiscalização; os meios de vigilância, designadamente câmaras digitais, de vídeo ou fotográficas, e sistemas de localização adquiridos pelas forças de segurança para os efeitos previstos no presente decreto-lei constam de inventário próprio e são notificados à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD)E o art. 5º: 1 - As forças de segurança responsáveis pelo tratamento de dados e pela utilização dos meios de vigilância electrónica notificam a CNPD das câmaras fixas instaladas, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série e dos locais públicos que estas permitem observar, bem como do nome da entidade responsável pelo equipamento e pelos tratamentos de dados. 2 - São igualmente notificados os meios portáteis disponíveis, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série.Como refere o Decreto-Lei n.º 207/2005 de 29.11 no respectivo preâmbulo, a utilização dos radares constitui um importante instrumento no quadro das políticas de prevenção e de segurança rodoviárias, bem como na detecção de infracções estradais, no sentido de inverter as estatísticas relativas ao número de acidentes nas estradas portuguesas, com índices dos mais elevados a nível europeu, ainda que com alguma tendência decrescente. Com efeito tais meios constituem um instrumento de dissuasão de comportamentos de risco, bem como de melhoramento (e de controlo) da acção das forças de segurança que têm por missão salvaguardar a segurança de pessoas e bens.Daí a validade constitucional do seu uso depois de ponderado o potencial lesivo dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos que a sua utilização pode representar - artigo 18.º da C.R.P.. Por outro lado os registos, a gravação e o tratamento de dados pessoais têm lugar, apenas, para as finalidades, específicas determinadas na lei (cfr. art. 10º): - Detecção de infracções rodoviárias e aplicação das correspondentes normas estradais; - Controlo de tráfego, prevenção e socorro em caso de acidente; - Localização de viaturas furtadas ou procuradas pelas autoridades judiciais ou policiais para efeitos de cumprimento de normas legais, designadamente de carácter penal, bem como a detecção de matrículas falsas em circulação; -Prova em processo penal ou contra-ordenacional nas diferentes fases processuais.Estabelecendo ainda limites à captação, gravação e tratamento (cfr. art.12º) -devem corresponder estritamente ao tipo de acção desenvolvida e à finalidade a que se destina, devendo as forças de segurança adoptar as providências necessárias à eliminação dos registos ou os dados pessoais destes constantes que se revelem excessivos ou desnecessários para a prossecução dos procedimentos penais ou contra-ordenacionais. Dos preceitos legais reproduzidos resulta que a lei exige o inventário e notificação dos equipamentos à CNPD.Não se encontrando qualquer previsão legal, quer nesta sede, quer no diploma que criou e regulamenta a actividade de CNPD, que fixe a consequência da ausência desta notificação como implicando a ilegalidade ou impossibilidade de “utilização” dos mesmos para efeito do controlo da velocidade dos veículos automóveis na via pública. Muito menos que comine a nulidade da prova por falta da referida notificação.Aliás a CNPD não detém competência exclusiva da fiscalização da violação dos mencionados direitos, liberdades e garantias, essa função também cumpre, por expressa determinação legal e por maioria de razão, aos tribunais a quem compete, em última instância, fiscalizar as decisões da própria C.N.P.D. Como entidade administrativa independente que funciona junto da Assembleia da República, tem como atribuição genérica controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei.Acresce que o acto omitido (notificação) se esgota na simples comunicação, não exigindo “aprovação”, “homologação” ou “autorização” por parte da CNPD. Não resultando da ausência dessa notificação, só por si, que tenha sido violada qualquer disposição imperativa de natureza material ou substantiva quer sobre a fiabilidade técnica e certificação do equipamento quer relativa à sua aprovação pelas entidades competentes, após certificação do IPQ.Por outro lado, também não houve qualquer intromissão no âmbito da intimidade ou da vida privada que a proibição de prova visa garantir.Pois, a imagem recolhida foi dirigida ao veículo, mais detalhadamente à sua matrícula. Não se identificando sequer, minimamente, a pessoa do condutor – e a recorrente é uma sociedade comercial que não o conduzia seguramente. O único dado obtido foi a identificação do veículo e a sua velocidade. A identificação do titular do direito de propriedade apenas foi obtida, a posteriori, a partir do registo correspondente à matrícula da viatura. O mesmo é dizer, a imagem obtida pelo radar foi utilizada dentro do estritamente necessário para a finalidade pretendida e legalmente admitida: fiscalização da circulação rodoviária para detecção, no caso, da velocidade do veículo, em espaço público, com a finalidade de acautelar o superior interesse público (também da recorrente!?) na segurança da circulação rodoviária.Aliás nem a recorrente refere que tenha havido, por qualquer forma, intromissão na sua vida privada ou dos seus dados pessoais – e está em causa, apenas o modo de utilização de um equipamento de radar, em local público, o que obriga todos aqueles que utilizam esse espaço público a assumir o risco inerentes ao “convívio” os demais que tenham necessidade ou queiram utilizar a mesma estrada. Estando assim o espaço de liberdade de cada um reduzido pela “comunhão” forçada na utilização do espaço aberto ao universo de todos os cidadãos. Sendo certo que em matéria de provas – como em todo o ordenamento jurídico em geral – vigora o princípio da ponderação dos interesses conflituantes, dando prevalência àquele que em concreto surge como preponderante, no caso, em espaço público, o interesse público na segurança da circulação rodoviária. Não pode assim concluir-se, salvo melhor opinião, que, pela falta de comunicação (e a lei não estabelece prazo peremptório para o efeito) que, tendo o radar em causa sido homologado e aprovado após certificação pelo IPQ, foi utilizado um método proibido de prova, nos termos previstos no art.º 126.º do Código de Processo Penal. Quer por não cominada a proibição. Quer porque os interesses materialmente pressupostos pela proibição dos meios de prova (protecção da intimidade/reserva dos dados pessoais) não se inscreverem no âmbito da protecção da norma violada (mero inventário/notificação).Recorrendo aos preceitos relativos à nulidade dos actos (não prejudicada pelas normas relativas às proibições da prova – art. 118º, n.º3 do CPP) também a referida omissão se não enquadra em qualquer das nulidades expressa e taxativamente previstas quer nos artigos 118.º e ss. do Código de Processo Penal quer em disposição especial extravagante disposição que comine a nulidade.Pelo que a falta da notificação sempre cairia no âmbito das meras irregularidades - cfr. art. 118º , n.º2 do CPP.Como tal sujeita ao regime previsto no art. 123.º do Código de Processo Penal.Ora como refere Cavaleiro Ferreira (Lições de Processo Penal, Vol. I, p. 269) “… a apreciação do processo, em razão do seu fim, desdenha do que para esse fim foi acidental ou desnecessário, embora em si mesmo ilegal.”A imperfeição do acto processual, por via da não observância da norma ou normas que regulam o seu processamento, pode assumir formas diversas consoante a gravidade do vício que lhe subjaz, desde a mera irregularidade até à inexistência. Encontrando-se entre estes extremos os vícios que dão lugar à nulidade, a qual, por sua vez, pode ser absoluta ou insanável ou nulidade relativa, dependente de arguição.A exacta correspondência do acto processual aos parâmetros normativos que a lei estabelece para a sua perfeição permite a produção dos efeitos que lhe são próprios, mas a falta ou insuficiência dos requisitos, tornando o acto imperfeito, é susceptível de consequências jurídicas diversas em razão da gravidade do vício – cfr. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, 1994, III, 55).Só a nulidade absoluta é insusceptível de sanação considerando-se sanadas as nulidades relativas quando não arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos momentos processuais expressamente previstos na lei – artigos 120º, n.º3, 121º, n.º1 e 105º, n.º1 do CPP.Enquanto a mera irregularidade apenas determinada invalidade do acto quando for causalmente adequada a afectá-lo. O mesmo é dizer quando comprometa, materialmente, a sua subsistência.Com efeito, postula o art. 123º, nº1 do CPP que “qualquer irregularidade só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar (…)”.O mesmo sucedendo em processo civil – art. 201º, n.º1 do CPC: “(...) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.Só determinam a nulidade daquilo que puderem afectar, materialmente, dentro de uma fundamentação que leve a concluir pela sua relevância, em concreto, dentro do objecto do processo e da finalidade que o acto preterido visa alcançar.O que não sucede, no caso, uma vez que apenas foi preterida a mera comunicação a uma entidade administrativa e não qualquer formalidade que a afecte os requisitos de aprovação/homologação do instrumento em causa.Sendo certo que a omissão da notificação em causa, como mera irregularidade, ficou sanada com a efectivação dessa mesma notificação entretanto realizada.Com efeito a Lei n.º39-A /2005 de 29/7 ao alterar o art.º 13º da Lei n.º 1/2005 de 10/1, concedeu ao Governo o prazo de 60 dias, ouvida que fosse a CNPD, para regulamentar os procedimentos a adoptar na instalação de sistemas de vigilância rodoviária e a estabelecer o regime de transição para a utilização dos sistemas já existentes. E a concretização dessa autorização fê-la o Governo através da publicação do DL n.º 207/2005 de 29 de Novembro. Na sequência do qual foram comunicados todos os aparelhos então em utilização.Pelo que, também nesta perspectiva a decisão recorrida não merece censura.Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso